Crónica Dos Pés Frios
Enquanto os pés arrefecem, há quem esteja cansado de engolir o próprio sangue
E que há semanas, não come nada além dos glúteos que não têm
Mais onde se sentar a não ser a terra vermelha, mas os pés são teus,
O que os olhos te sentem não és tu, e nesta época de bombardeamentos
Constantes, de fins do mundo todos os dias, torna-se difícil mastigar devagar,
Saborear a dor dos outros, cai tudo inteiro no estômago virgem, o ácido não
Chega e tudo o resto se torna ácido, amargo, corrosivo, tudo escondido
Atrás de cores irónicas num cemitério individual, com um nome
Que tantas vezes nem se ouve, não se sente, o teu nome é eu, dizes tu,
Então temos o mesmo nome e asseguro-te que o meu sangue tem o mesmo sabor
Daquela terra vermelha onde outras mãos procuram a alma,
A mesma que recusei por ser mentira, a mesma que se cospe com sede
E nada mais a não ser um gesto ridículo de boca seca, aberta
Como a visitada pela morte, a última visita, a única visita em anos,
Naquela casa que tresanda a mijo, merda, bolor e esquecimento,
Onde tu morarás quando não souberes o que mais fazer da vida,
Depois de os filhos lavarem as mãos das fraldas dos filhos deles, depois
Da tua mulher ou homem finalmente se esquecer das suas/tuas traições,
Depois de não haver ninguém que te cubra os pés, que arrefecem
Ao mesmo passo que o coração abranda o seu ritmo cada vez mais pesado,
Corres a cortina e ainda vês alguém que arrasta um papelão, nota a tua
Presença, a única pessoa a fazer-te ser, apesar de teres ido comprar cigarros
Ao quiosque do centro, onde havia revistas com terra vermelha, jornais
Que vendem fome, morte, miséria e tu, com tanto frio para vender.
04.01.2012
Turku
João Bosco da Silva
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