Bonecas
Todas aquelas bonecas, umas sem cabelo, outras com implantes capilares de fios de lã
Colados com uma cola qualquer, umas sem braços, nuas a maioria, as que deveriam
Chorar já sem pilhas, ou uma pilha esquecida que se tornou num cancro irremediável,
E algo como sal ferrugento e verde a torná-las ainda mais grotescas do que aquele
Olho que nunca fecha, tão azul, tão falso que quase se toma por humano,
Todas elas numa caixa de papelão no sótão, todas elas esquecidas por quem
Um dia passava dias a abraçá-las, a penteá-las até ao último fio de cabelo dourado,
A vesti-las vezes sem conta, novas roupas, umas artesanais, por quem chorava
Quando se perdia um sapato de plástico do tamanho de um amendoim,
E agora vai ter frio ao pé, todas com frio em todo lado numa caixa que a humidade
Vai vencendo, e lá cede uma perna, um pedaço de cabelo, todas sonhos gastos
Até não passarem de plástico oco, umas mais caras, mas só mais plástico,
Foram aniversários, Natais, a visita dos tios da França, o padrinho e a madrinha,
Foram os primeiros romances com os super-heróis do irmão, os primeiros segredos
Contados às amigas, a primeira desilusão, o carro e a mansão que nunca se teve,
Nem nunca se terá, tudo encerrado no silêncio de uma caixa escura,
Até se precisar mais espaço para guardar outros sonhos tornados plástico,
Papel, lixo, que hoje ridículo, lixo ridículo que fez, que no fundo faz, parte de alguém.
05.01.2012
Turku
João Bosco da Silva
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