quinta-feira, 5 de janeiro de 2012


Bonecas


Todas aquelas bonecas, umas sem cabelo, outras com implantes capilares de fios de lã

Colados com uma cola qualquer, umas sem braços, nuas a maioria, as que deveriam

Chorar já sem pilhas, ou uma pilha esquecida que se tornou num cancro irremediável,

E algo como sal ferrugento e verde a torná-las ainda mais grotescas do que aquele

Olho que nunca fecha, tão azul, tão falso que quase se toma por humano,

Todas elas numa caixa de papelão no sótão, todas elas esquecidas por quem

Um dia passava dias a abraçá-las, a penteá-las até ao último fio de cabelo dourado,

A vesti-las vezes sem conta, novas roupas, umas artesanais, por quem chorava

Quando se perdia um sapato de plástico do tamanho de um amendoim,

E agora vai ter frio ao pé, todas com frio em todo lado numa caixa que a humidade

Vai vencendo, e lá cede uma perna, um pedaço de cabelo, todas sonhos gastos

Até não passarem de plástico oco, umas mais caras, mas só mais plástico,

Foram aniversários, Natais, a visita dos tios da França, o padrinho e a madrinha,

Foram os primeiros romances com os super-heróis do irmão, os primeiros segredos

Contados às amigas, a primeira desilusão, o carro e a mansão que nunca se teve,

Nem nunca se terá, tudo encerrado no silêncio de uma caixa escura,

Até se precisar mais espaço para guardar outros sonhos tornados plástico,

Papel, lixo, que hoje ridículo, lixo ridículo que fez, que no fundo faz, parte de alguém.



05.01.2012



Turku



João Bosco da Silva

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