Revolta Contra A Deglutição
Cansou-se e o forno não tinha gás, os óculos também estavam
cansados e a carne
Esqueceu-se da sua utilidade redentora, achou que a solução
era a eternidade,
Mas não sabia que a eternidade é onde ninguém vive, terra de
imortais, todos os
Que vivem enquanto os mortais os inventarem ao acordar, nos
mitos, nas religiões
Ou nas páginas de banda-desenhada, não sei que dor a levou a
engolir tanto,
Devia ter distribuído lostras e broches ao sabor da vontade
e do desejo,
Não me desiludiu, nem me impressionou, mas esperava uma
manifestação
De vida, porque a vontade é de viver e é uma reacção contra
a morte e o tédio,
Engolir o fim nunca é solução, engolir futuros, apesar de
tudo, não apaga
Tantas luzes e desperta material anti-poético dos cemitérios
que somos,
Cemitério de Valhalla em San Elmo, com um nome tão acertado,
todos merecemos
Um lugar no cemitério dos heróis nórdicos, todos merecemos
esperar o Ragnarok,
E cuspir nas entranhas do inimigo misturadas com as nossas,
foi isto, fodeu-se,
Mas nada de adiar e engolir cobardemente um grito, grite-se
se a vontade é essa,
Chore-se, mije-se, ejacule-se na cara, ,mande-se foder,
cultivem-se cornos,
Colecionem-se DSTs, tudo acabará por ser poesia, mas sem
poeta, nada feito,
Foda-se, acorda, tira a cabeça desse forno apagado, espera
um cancro,
Um carro que te confunda com um vagabundo, cansa-te ao menos
da cegueira do mundo,
Conhece-a até ao teu limite, já que ela não tem fim, mas
fica comigo, fica aqui,
Onde a solidão se escreve em companhia, onde dormir quente é
acordar frio,
Sonhar é desejar perder tudo para ter uma tela em branco,
onde pintar sonhos,
Sem medo de perder, porque tudo foi perdido, tudo menos a
tinta que é a vida,
Foda-se, não me percas essa luz que eu tanto gosto de fingir
ser possível
À minha volta, a escorrer por mim, a envolver-me quente e
ébria, contente,
Tu és tão grande, demasiado grande para uma morte precoce,
envelhece por favor,
Envelhece-me a mim também, e se um dia tiveres coragem,
daqui a cinquenta anos,
Ou tal, terei todo o gosto em entrar dentro da tua
experiência e contar os teus anéis.
18.10.2013
Coimbra
João Bosco da Silva
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