sábado, 19 de outubro de 2013

Revolta Contra A Deglutição

Cansou-se e o forno não tinha gás, os óculos também estavam cansados e a carne
Esqueceu-se da sua utilidade redentora, achou que a solução era a eternidade,
Mas não sabia que a eternidade é onde ninguém vive, terra de imortais, todos os
Que vivem enquanto os mortais os inventarem ao acordar, nos mitos, nas religiões
Ou nas páginas de banda-desenhada, não sei que dor a levou a engolir tanto,
Devia ter distribuído lostras e broches ao sabor da vontade e do desejo,
Não me desiludiu, nem me impressionou, mas esperava uma manifestação
De vida, porque a vontade é de viver e é uma reacção contra a morte e o tédio,
Engolir o fim nunca é solução, engolir futuros, apesar de tudo, não apaga
Tantas luzes e desperta material anti-poético dos cemitérios que somos,
Cemitério de Valhalla em San Elmo, com um nome tão acertado, todos merecemos
Um lugar no cemitério dos heróis nórdicos, todos merecemos esperar o Ragnarok,
E cuspir nas entranhas do inimigo misturadas com as nossas, foi isto, fodeu-se,
Mas nada de adiar e engolir cobardemente um grito, grite-se se a vontade é essa,
Chore-se, mije-se, ejacule-se na cara, ,mande-se foder, cultivem-se cornos,
Colecionem-se DSTs, tudo acabará por ser poesia, mas sem poeta, nada feito,
Foda-se, acorda, tira a cabeça desse forno apagado, espera um cancro,
Um carro que te confunda com um vagabundo, cansa-te ao menos da cegueira do mundo,
Conhece-a até ao teu limite, já que ela não tem fim, mas fica comigo, fica aqui,
Onde a solidão se escreve em companhia, onde dormir quente é acordar frio,
Sonhar é desejar perder tudo para ter uma tela em branco, onde pintar sonhos,
Sem medo de perder, porque tudo foi perdido, tudo menos a tinta que é a vida,
Foda-se, não me percas essa luz que eu tanto gosto de fingir ser possível
À minha volta, a escorrer por mim, a envolver-me quente e ébria, contente,
Tu és tão grande, demasiado grande para uma morte precoce, envelhece por favor,
Envelhece-me a mim também, e se um dia tiveres coragem, daqui a cinquenta anos,
Ou tal, terei todo o gosto em entrar dentro da tua experiência e contar os teus anéis.

18.10.2013

Coimbra


João Bosco da Silva

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