sábado, 3 de maio de 2014



Distração E Cabelos Brancos

Quando foi que envelheci tanto, nem dei por nada e agora vejo os amigos do meu pai
Na falta de vontade que tenho de continuar a parir cabelos brancos, mais cansaço e uma
Valente desilusão a cada sonho que passa e deixa apenas um enorme vazio, vejo-me
Naquelas fotos, tão seguro, tão homem, jovem, agora jovem, porque eu daquela idade
E eu não posso ser grande como quando via aquelas fotos numa outra vida, profunda,
Enterrada no pó dos dias, na lixeira de tantos momentos, mesmo os gloriosos, hoje composto
Para fertilizar a morte, apestar o envelhecimento, eu que vivi tudo em tão pouco tempo
E nada fiz a não ser gastar sem gasto dar sequer, só os órgãos sofreram, em nada amadureci,
Saltei logo para o apodrecimento, só estraguei, a vida deve comer-se verde ou nunca se terá
Vontade nos dentes, agora isto, o medo a trazer poemas, cada vez mais parecidos entre eles,
Encostados uns aos outros, debaixo de uma ponte num dia de tempestade, querem tomar forma,
Ser vida, algo que se adia por se saber que na verdade impossível, por prazer, ejaculaste nos
Olhos das verdadeiras oportunidades, negaste o amor dentro da espectativa do brilho do ouro
E levaste banhos orgânicos raros em amnésias que não consegues esconder, quase foste o pior
Que podias ser e nunca estiveste tão próximo de ser feliz, mas sempre julgaste que havia tempo,
Que ainda era cedo e agora, ninguém tolera o barulho que fazes dentro de ti mesmo,
Deixaste cozer demasiado, agora não consegues engolir-te, eu digo-te quando foi que
Envelheceste tanto, foi enquanto viveste sem olhar muito para os outros, o espelho que
Eles querem ser de ti, as barrigas dos outros, os cornos dos outros, as traições dos outros,
Os empréstimos dos outros, os divórcios dos outros, os filhos dos outros e os que não são deles,
Os sonhos que os outros já não revelam, porque se tornou ridículo, sonhar, só relembrar é
Permitido, entre umas garrafas de vinho, os direitos que os outros julgam ter, os deveres que
Os outros te querem impor, a forma como querem que te vistas e as máscaras que querem que  uses para
Pareceres bem, apesar de mentira, os erros que querem que cometas porque é o que está certo,
A cor do cabelo dos outros e as suas testas a tomarem conta da imaginação, não vale a pena olhar
E envelhecer a vida, já se morre o suficiente na morte, distrai-te outra vez, eles passam sempre.

01.05.2014

Turku


João Bosco da Silva

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