A Macieira Dos Insones
Disseram-me que arrancaram a macieira porque secou, também
eu sequei e nunca ninguém
Me conseguiu arrancar as raízes, mesmo que tenha sido muitas
vezes estrangeiro em casa
E preferir a solidão do granito e o desolamento das ruínas
dos verões quando a cinza já
Assentou à força da chuva, o lameiro tem tão pouco do que
trago, parece mais pequeno
Apesar de terem derrubado a cerca que o dividia, enterraram
um poço, o cão já se tinha
Lá afogado, de certeza também a capacidade de ser feliz com
um bocado de pão caseiro
Com tulicreme que a tia preparou, a inocência como o amor,
cega, mas uma cegueira por
Ausência, a cegueira de quem tem as mãos vazias e está cheio
de sonhos, a cegueira
De quem confia na vida como na mãe e é para sempre e capaz
de tudo menos de traição,
Cega para a maldade, com os sentidos livres e limpos para
receber a felicidade, ou apenas
Estar e ser, ignorando que se é, aquela macieira em cuja
sombra me deitei e senti
A novidade da erva seca nas costas como a primeira vez em
que li Walt Whitman, frescura
Viva que mais tarde se transformou no cheiro a mijo
cristalizado das folhas amarelecidas
Pela experiência e o tempo, sentir o mesmo de forma inversa
ao sentir o aroma azedo
Da cerveja estragada no fundo das garrafas quase vazias e a
companhia pouco simpática
De outras barbas, eu quase, sentado a consumir-me em copos
de plástico, tremendo com as
Chamas das velas ao vento das saudades e uma quase hipocrisia
por falar sozinho com a
Memória de quem, espero, me dê o adiamento e a força inata,
já que nasci de pouco
E para quase nada, para acabar numa noite de luar, longe
disto tido, no lameiro
Daquela macieira onde me arrancaram, hoje tenho amigos
poetas, pouco me conheço,
E tenho dias em que quando acordo, demoro horas a
encontrar-me por entre os papéis
Manchados pela chuva e pelo carvão do sofrimento adiado pelo
medo de mais um
Momento inútil e perdido, para sempre, ao lado do lugar onde
esteve a macieira, para nunca
E até sempre, numa garrafa de vinho bordeaux, lá para os
lados de Django Reinhardt e dos tios
De França, porque tantas vezes o que procuras é apenas o
inesperado, como o sabor daqueles
Gauloises à beira do rio da aldeia, de madrugada, com os pés
cheios de vinho tinto e língua
Destravada, pronta para confissões lançadas para a fogueira
purificadora da felicidade.
Turku
30.04.2014
João Bosco da Silva
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