La Bohème
Não se faz de gasolina isto, faz-se de despedidas, de sonhos
abandonados
E escondidos sob o falso esquecimento, portanto, prolonga a
tua ausência
Até à eternidade, torna-te no combustível que engole todas
as ruas de todas
As cidades em todos os anos, à mesa de um hotel, ou de uma
cozinha com
As paredes escurecidas pelo fumo, onde se cura o fumeiro e
se ouvem galinhas
Quando a madrugada chega, todas as cidades e as suas ruas e
os seus anos,
Condensam-se no passos primeiros e regurgita-se uma noite
galega,
Para os lados do sétimo dia, quando todos os rios o mesmo,
dando voltas
Pelo mundo fora, todas as pedreiras a mesma ferida na terra,
Cavalgando um pastor alemão que entretanto morreu tantas
vezes,
Enquanto a dona, vestida de luto, mostrava os dentes de
ouro,
Numa gargalhada tão fresca como a água da nascente perto das
ameixeiras,
Portanto, se quiseres ter utilidade além da carne, já que a
minha saliva
Secou dos teus lábios e a minha língua se esqueceu do sabor
do teu batom,
Continua a regar a tua ausência com a disciplina de um
freira ou uma viúva,
Não me mostres mais os dentes, deixa fermentar o toque que
me deixaste,
Acende mais um cigarro como se uma vela pela minha alma,
como se a língua
Nunca mais, nem a promessa silenciosa de um olhar esfíngico
de pecado
Libertador na casa de banho, no dia de aniversário e do
nascimento do encanto
Por Almada, cordas fumadas apesar de nunca na cozinha ao
lado do galinheiro,
Porque o processo é o mesmo, tens que te fossilizar, tornar-te
realmente
Pré-histórico, reduzir as ruas às origens, às tribos
primeiras, as palavras como mãos
Marcadas nas paredes das cavernas, não são tão facilmente
lavadas pelo tempo
Como as pessoas que nos tocam, não se faz de gasolina isto,
mas queima,
Consome como se a tinta fosse de cinza, ouvi dizer que a de
carne e sangue
Tem mais óleo e parece ser a que resiste mais ao
esquecimento e ao tempo,
Quando o dia der em nós, seremos o que restou do pó das
estrelas.
06.11.2014
Praga
João Bosco da Silva
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