Confissão De Um Pecado
No Quénia,
Um grupo de miúdos aproximou-se da carrinha e um deles
perguntou,
Tens canetas, na verdade tinha apenas uma caneta japonesa,
preta,
Ultra leve, de gel, ponta fina, para mim um canivete suíço naquelas
Aventura, que nem sempre se engole tudo de memória,
Disse ao miúdo que não, em vez da caneta, dei-lhe um dólar,
Senti-me pecar como quando era garoto, um peso a crescer no
peito,
Como mentir a deus, mentir àquele miúdo, que pedia uma
caneta,
Como negar pão a quem tem fome, água a quem tem sede,
E que diferença lhe faria a ele aquela caneta, a mim, menos
uns poemas,
Que não salvariam nada nem ninguém, só me dariam a ilusão de
ter importância,
Mas esta mania de ser poeta, esta insegurança toda, que
obriga
A registar a presença num pedaço de papel, uma data, o
local, o nome,
Esta tendência primitiva de deixar as marcas das mãos nas
paredes da caverna,
Mais tarde no equador, numa barraca feita de tábuas
poeirentas
À beira da estrada, um vendedor queria trocar-me uma leoa de
madeira
Por algo, pela caneta, dizia-me que seria o próximo
presidente do país,
Que precisava de uma caneta como aquela, ou uma coisa do
país de onde vim,
Acabei por lhe dar dez euros e ainda recebi como bónus
colheres
Com zebras pintadas e um sorriso, o peso contudo, crescia,
A caneta à medida que a tinta ia diminuindo, tornava-se cada
vez mais pesada,
No bolso da camisa, do lado esquerdo do peito, no aeroporto
quando
Me revistaram, perguntaram-me o que levava no bolso, quase
lhe disse,
Que eram um pecado, lá o arrastei, até que o peso se tornou
quase
Impossível para o pulso, e na apresentação do livro, onde
alguns poemas
Tinham saído daquela mesma caneta, depois de mais uma vez
deixar
A palma da mão na parede da caverna, para você, que não faz
ideia
Do tamanho dos meus medos e sonhos, entreguei a caneta,
A uma menina pequenina, que olhava para mim e pensava
Que eu era alguém importante, não sabia ela que eu
minúsculo,
Gasto, mas por fim, tinha confessado o pecado, em silêncio,
Absolvido pelos olhos daquela criança que recebeu a caneta.
12.04.2015
Turku
João Bosco da Silva
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