Post-It
Aquelas noites frias na tua pequena casa alugada, sentados à
vez
Em cima do aquecedor a óleo, ao lado das tuas enciclopédias
em dominó
No chão e um dos únicos livros de poesia, Aracne de António
Franco Alexandre,
Naquelas noites negras sem rima, como aquela em que regressámos
Para abrir mais uma garrafa de vinho branco na geada da
aldeia vizinha
E onde te penetrei a fome sem força enquanto no quarto ao
lado
A tua amiga era fodida como uma freira por um puto, com a
porta aberta,
E eu de pé com os meus dedos mais tu que eu, antes de
adormecer
No sofá com o cigarro aceso e tudo me doía, cada manhã
gelada ao sol
Uma derrota, cada madrugada um pouco roubado à eternidade,
mas para nada,
E o nariz queimado pelo frio e pelos poppers, os lábios
gretados do gelo
E da erva fumada com o teu irmão em santuários de decadência
e outeiros
Na aurora da humanidade ou no fim dos tempos, tudo tão
confuso
Na alma lamacenta das semanas sem o Sol do despertar, erva que
injectava
Gradualmente a confiança na paranoia e o sono desiludido nos
ossos derrotados,
Todo aquele Sol amarelo, como o fumo dos cigarros das manhãs
já vencidas que
Se cola e se descola e voa para onde um dia tudo, uma nota
perdida, esquecimento.
29.11.2015
01.12.2015
Turku
João Bosco da Silva
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