quinta-feira, 24 de março de 2016

O Apodrecer Das Uvas

No canelho perto da igreja da terra, onde em tempos leitoras
Comiam carne regada a fino, alguém diz, este é aquele do livro,
Perguntam-me pelo deste ano e eu digo que capital, já não espero
Milagres de que não espera nada do santo que nunca fui,
Sinto-me mais em casa debaixo da figueira, com Moledo nas páginas
De um livro de digestão difícil, e se ninguém estiver a ver
Bebo uma lata de coca-cola e fecho os olhos enquanto engulo anos
E devolvo centímetro e desilusões e as crostas dos lábios
Contaminados pelos verões em que se gastou a inocência,
Só mais um bocadinho, só mais uma última vez e deixam de nos reconhecer
À primeira, os olhos procuram um lugar comum no rosto coberto pela
Vergonha que nos quiseram impingir como hóstias secas em manhãs de sede,
Se soubessem que apesar do tempo, dos anos multiplicados aos
Quilómetros, quando me sento no cimo daquela fraga, sou todo eu,
Eu como se os joelhos esfolados do granito, eu como se as unhas
Ainda sujas de brincar na terra a construir cidades do futuro
Com as telhas meias podres de uma casa abandonada,
É aquele do livro, quando já seis e outro à espera de um ano imprevisto,
Eu quase que a dizer que não, que eu o garoto de cabelo queimado
Pelo Sol, que mora além, onde toda a gente se encontra quando fecho
Os olhos numa tarde quente de Agosto, ignorando o apodrecer das uvas.

Torre de Dona Chama

05.08.2015


João Bosco da Silva

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