segunda-feira, 12 de setembro de 2016

madrugada

é geralmente de madrugada que elas chegam, certas recordações
que batem à porta do poema a pedir-lhe versos, sentem-se inseguras,
temem perder-se na escuridão ou ser engolidas pela luz de um novo dia,
às vezes são só o cheiro dum jornal fresco, atrás logo se acotovelam
manhãs de junho no quiosque da terra e os últimos dias do miúdo suicida,
logo vem um livro da época enquanto se esperava no carro
que venham os anos dos bancos de trás sem livros, só lábios, aos pares,
trazem mulheres ensonadas, sem elas saberem, se calhar só em sonhos
imaginam que as calças brancas mancharam alguém permanentemente,
é geralmente quando os cães se cansam de ladrar e as carroças
abrem a manhã com o seu chocalhar metálico em direcão à terra ainda fria,
quando se acaba a cerveja no frigorífico ou o equilíbrio para o malabarismo
de teclas, só a vontade de adormecer com uma recordação doce na boca
das que fazem a vida que passou valer a pena desta.

12.09.2016

Turku


João Bosco da Silva

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