Poetas Sem Título
Enquanto estávamos à entrada da livraria onde seria
apresentado o livro
Do amigo poeta, a fazer horas, entre pavões premiados e
sorrisos de falsa humildade,
Encandeados pela presença de um Sol trancado entre duas
paredes centenárias
E contaminações reais, em trocas de curiosidades
desinteressadas
E fumos passivos, ao lado, na porta traseira de um
restaurante,
Os funcionários, uns três, todos à volta de Duluoz, o
vaidoso,
Como se estivessem à volta de um rádio durante um jogo
importante da selecção
Num intervalo da escola, todos jovens, com mais páginas em
branco
Que a maioria dos que esperavam a apresentação do livro,
Aqueles miúdos, todos mais jovens que eu, com mais energia
potencial poética,
Que todos os abanões e encontrões dos poetas e escritores
ali reunidos
Com espadinhas ridículas desembainhadas a medir tamanhos de
egos
Conquistados com papéis carimbados e joelhos macerados,
Aqueles miúdos com as mãos cheias de queimaduras, cortes, calos
e fome,
Segurando aquele livro e a juventude e os sonhos todos,
Maiores poetas que nós todos juntos, ilusões, delírios e
prémios incluídos,
Lá entramos para dentro da sala cheirando a mofo e livros
que ninguém irá ler,
Enquanto eles ficaram na rua com cheiro a detergente e amoníaco,
Engolindo palavras antes de atacarem os tachos e as panelas,
a vida,
Anos depois dou-me conta que nunca cheguei a entrar de
verdade,
Fiquei no limbo entre duas portas, encostado à parede, entre
poetas e poetas,
Entre os que nascem e os que são aceites, a um passo da
sombra, olhando o Sol na calçada.
Turku
29.03.2017
João Bosco d Silva
Sem comentários:
Enviar um comentário