Os Desocupados
Empurrando a sua moral ideal, rua acima e rua abaixo, num
carrinho de supermercado
Roubado e ferrugento, ou lançando a sua fúria divina das
janelas, ou das cadeiras de lona,
Ou das esplanadas com a cervejinha quente, o chazinho frio,
lá andam os desocupados,
Sempre prontos a impingir-te uma lição que não pediste, para
levares a vida aos eixos
Onde não encaixas, o caminho certo, o seu caminho, têm tempo
para as pensar,
Estes desocupados, mestres de tudo, filósofos da roupa a
secar e das cuecas da vizinha,
Génios da valorização do tédio e do consumo do tempo em
metabolismo de relantim,
Não fossem eles tão devotos à hóstia ou às merendas e seriam
mestres Zen,
Devias ser mais como eles, como o que eles querem que aches
que eles são,
Devias limar mais, polir mais, deixar correr mais, cortar
mais, calar mais, engolir mais,
Não gozar tanto que parece mal aos que desocupados, se
ocupam da vida dos ocupados,
Sabes bem que ninguém viveria a tua vida melhor que um
desocupado,
Ninguém sabe mais da tua vida do que um desocupado, acrescentando
onde ignoram,
Ignorando onde lhes dá a sombra, ouve-os, cheios da sua
experiencia de pastelaria
E versos coados à peneira do caruncho das gavetas, poemas
vinagre com perfume do sovaco
Esforçado pela falta de hábito de viver, são todos hábeis na
ficção, quase todos poetas,
Usando a rima para ocupar o vazio dos dias, sentam-se ao Sol
mas só parecem ver
A sombra dos que passam, esses desocupados, perfeitos
vivedores, imaculados santos,
Génios do espelho e do olhar invertido, gourmets da sua experiência
limitada
E exploradores incansáveis do universo do seu bairro,
inimigos das férias alheias,
Eternos magnetos de uma pega de bois ou de vacas, se lhe
emprestasses a vida,
Sim, serias alguém em condições, trabalhavas a sério, levavas
uma vida como deve ser,
Agora andar por aí, um perdido, a fazer que fazes, a ir aqui
e ali, em vez de, em vez de.
26.03.2017
Turku
João Bosco da Silva
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