Até Além do Degelo - Haikus
O olhar parte
antes
da partida.
Depois do apocalipse
ainda haverá
sangue para derramar.
Quanto tempo se demora
a regressar
a si mesmo?
Não há cinzento
quando o Sol
sorri.
Só regressar
é preciso -
degelo.
Não esperes o arco-íris
antes
da tempestade.
Ao espelho –
o infinito contempla
a eternidade.
Caminhar por uma rua
escura -
há sempre uma luz.
Longe de ir cheio
vai o rio -
cães mortos.
Ao pouco a neve
cobre os sonhos
de Verão.
Fazer das memórias
um espelho
ao Sol.
Um espelho
ao Sol –
o que são memórias?
Ao Sol um espelho
chamado tu -
quem lembras?
Sobre a mesa pequena
um pastel de nata -
café no hipocampo.
Na fruteira
a banana apodrece -
não demores no maduro.
Nos braços
um mundo inteiro –
neva lá fora.
Antes da iluminação
chora na cama -
quem perdeu realmente?
Esperamos a queda
das folhas
ou o degelo do arrependimento?
Lavar o chão
não te salvará
do purgatório.
Não há pó
que te salve
do passado.
Acabado o poema
nem a cadeira
sente o suspiro.
Como pode um nome
manter tantas
ruínas acesas?
Entre o sonho
e o primeiro café
nasce doloroso o dia.
Quando me vê
ainda traz
o sofá na memória.
Abrir a porta e tropeçar
no livro de um amigo -
Felicidade.
Um dia conto-te
como Los Angeles
uma aldeia.
Com um silêncio eterno
mandar foder
todo o mundo.
Arrefece já a cinza
o gato dorme
o gelo corre.
Brilha verde
a garrafa de vinho
da noite vazia.
Quanto se perde
em bolsos cheios
de barulho.
Tenho fome
e ainda me brilha na barba
o teu sabor.
Sabes-me ao Sol
no gelo
da Primavera.
Rapidamente
a escuridão
engole o relâmpago.
Nunca chegarás
a casa
à luz da tempestade.
Derrete a neve -
só o coração
fica.
Em direção ao céu
sobem finos cristais –
acordar a seu lado.
Aos poucos revela-se
o asfalto
como tudo o resto.
Ar frio ao Sol
como o desejo
de alguém distante.
De peregrinação em peregrinação
noutros sempre
o mesmo corpo perdido.
De peregrinação em peregrinação
sempre o mesmo
corpo perdido.
Distantes cerejeiras
floridas -
cagalhões bem perto.
Até os lençóis se cansam
do Sol desperdiçado
no sono.
Desde o primeiro sorriso
a certeza
de um último.
Onde ficaram
os futuros perdidos
daquela Primavera?
Uma porta fechada -
um quarto inteiro
para ti.
A cada passo
este desejo
de inferno.
Todo
o amor
é biodegradável.
Quantas estrelas mortas
iluminam
a noite solitária.
Apaga-se a Lua
o Inverno
esquece-se.
Regressam as gaivotas
do rio
e as madrugadas.
Tudo se esgota
menos a vontade -
muda de direção.
Por trás da montanha
todos
os amanheceres.
Um novo dia
e o mesmo Sol
sempre uma descoberta.
Nas unhas
os segredos
que não contaste.
A erva seca
nas costas
outrora adolescentes.
Aquele vestido amarelo
sempre que regressa
a Primavera.
Aquela dor antiga
regressa
a este corpo velho.
Acabou o incenso
e o sorriso
tão familiar.
Mãos trémulas
na aurora
de uma manhã quente.
Todas as garrafas
vazias
como promessas.
Cheiro de roupa
lavada
nos olhos fechados.
No cinzeiro
também os amores
que consumiste.
12/2017-04/2018
Turku
João Bosco da Silva
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