quinta-feira, 3 de maio de 2018

Até Além do Degelo - Haikus 


O olhar parte 
antes 
da partida. 

Depois do apocalipse 
ainda haverá 
sangue para derramar. 

Quanto tempo se demora 
a regressar 
a si mesmo? 

Não há cinzento 
quando o Sol 
sorri. 

Só regressar 
 é preciso -  
degelo. 

Não esperes o arco-íris 
antes  
da tempestade. 

Ao espelho –  
o infinito contempla  
a eternidade. 

Caminhar por uma rua  
escura -  
há sempre uma luz. 

Longe de ir cheio 
vai o rio -  
cães mortos. 

Ao pouco a neve  
cobre os sonhos  
de Verão. 

Fazer das memórias  
um espelho  
ao Sol. 

Um espelho  
ao Sol –  
o que são memórias? 

Ao Sol um espelho 
chamado tu - 
quem lembras? 

Sobre a mesa pequena 
um pastel de nata - 
café no hipocampo. 

Na fruteira  
a banana apodrece -  
não demores no maduro. 

Nos braços  
um mundo inteiro –  
neva lá fora. 

Antes da iluminação 
chora na cama -  
quem perdeu realmente? 

Esperamos a queda 
das folhas  
ou o degelo do arrependimento? 

Lavar o chão 
não te salvará 
do purgatório. 

Não há pó 
que te salve 
do passado. 

Acabado o poema 
nem a cadeira 
sente o suspiro. 

Como pode um nome 
manter tantas 
ruínas acesas? 

Entre o sonho 
e o primeiro café 
nasce doloroso o dia. 

Quando me vê 
ainda traz 
o sofá na memória. 

Abrir a porta e tropeçar 
no livro de um amigo -  
Felicidade. 

Um dia conto-te 
como Los Angeles 
uma aldeia. 

Com um silêncio eterno 
mandar foder 
todo o mundo. 

Arrefece já a cinza 
o gato dorme 
o gelo corre. 

Brilha verde 
a garrafa de vinho 
da noite vazia. 

Quanto se perde  
em bolsos cheios  
de barulho. 

Tenho fome  
e ainda me brilha na barba 
o teu sabor. 

Sabes-me ao Sol 
no gelo  
da Primavera. 

Rapidamente 
a escuridão 
engole o relâmpago. 

Nunca chegarás  
casa  
à luz da tempestade. 

Derrete a neve -  
só o coração  
fica. 

Em direção ao céu  
sobem finos cristais –  
acordar a seu lado. 

Aos poucos revela-se  
o asfalto  
como tudo o resto. 

Ar frio ao Sol  
como o desej 
de alguém distante. 

De peregrinação em peregrinação  
noutros sempre  
mesmo corpo perdido. 

De peregrinação em peregrinação 
sempre o mesmo 
corpo perdido. 

Distantes cerejeiras 
floridas -  
cagalhões bem perto. 

Até os lençóis se cansam  
do Sol desperdiçado  
no sono. 

Desde o primeiro sorriso 
a certeza  
de um último. 

Onde ficaram 
os futuros perdidos 
daquela Primavera? 

Uma porta fechada -  
um quarto inteiro 
para ti. 

A cada passo 
este desejo  
de inferno. 

Todo 
o amor 
é biodegradável. 

Quantas estrelas mortas 
iluminam  
noite solitária. 

Apaga-se a Lua  
o Inverno  
esquece-se. 

Regressam as gaivotas  
do rio  
e as madrugadas. 

Tudo se esgota  
menos a vontade - 
muda de direção. 

Por trás da montanha 
todos 
os amanheceres. 

Um novo dia 
e o mesmo Sol 
sempre uma descoberta. 

Nas unhas 
os segredos 
que não contaste. 

A erva seca 
nas costas 
outrora adolescentes. 

Aquele vestido amarelo 
sempre que regressa 
a Primavera. 

Aquela dor antiga 
regressa 
a este corpo velho. 

Acabou o incenso  
e o sorriso  
tão familiar. 

Mãos trémulas 
na aurora 
de uma manhã quente. 

Todas as garrafas  
vazias  
como promessas. 

Cheiro de roupa  
lavada  
nos olhos fechados. 

No cinzeiro  
também os amores  
que consumiste. 

12/2017-04/2018 

Turku 

João Bosco da Silva 

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