Distâncias
Para a Tatiana Faia e o Vítor Sousa,
Quando um gajo está que nem se sente, é quando se encontra,
Seja no vazio de uma página em branco com um tracinho vertical a piscar,
Ou num corpo pálido com um tracinho rosado e pupilas a piscar
Na escuridão possível de uma noite nórdica,
O cansaço ajuda-nos a extrair o maior orgasmo, aquele em que já
Nem se acreditava e quando vem, parte-nos a alma vendida
Por meia dúzia de batatas fumegadas pelo motocultivador,
Numa mão cheia de ressentimento, quanto aberto foi deixado
Por entrar, quanto descoberto era já uma ilha da Páscoa,
Todas as conquistas um naufrágio mais certo,
Todos os sonhos uma almofada babada, todas as amizades
Meia-dúzia de lágrimas engolidas pelo ralo, num duche longo,
Mais longo do que o que muitas vidas merecem,
O Burroughs afina mais a gravata do que a mira,
O isqueiro acerta sempre no prego, haja amizade e cidades comuns,
Mesmo que tão estrangeiras quanto o castelo do berço,
Saúda-se o vazio, onde é mais provável encontrarmos
Tudo aquilo que uma vez amamos, ou nos amou,
Quantas vidas cabem afinal no mesmo ukiyo-e,
O mesmo bloco de madeira para tanto papel, de onde a árvore,
Não vale a pena, cogito ergo sum uma merda,
Sou mais quando menos me sinto, quando me afasto,
Ou me afastam, entre um copo com a desculpa da amizade,
Ou o esforço da solidão maior para encontrar o caminho na página em branco.
25.07.2018
Turku
João Bosco da Silva
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