Escorpiões de Cabeceira
Passas a noite a caçar escorpiões com uma alpargata,
Numa casa que é tua num passado que não te pertence,
Um tio que não vês há anos resmunga por causa do barulho
Uma frase herdada, quero dormir, sou Moisés,
Dois escorpiões pequenos esmagados como os fins de Agosto
Antes das tempestades e do apodrecer das uvas
Com o cheiro a livros emprestados,
O maior enfiou-se num pequeno armário embutido,
Onde antes, mesmo que nunca, se guardava o pão e assim,
Ninguém poderá dormir sossegado com aquela dor incerta
Por ali, detestas coisas a dormir que nunca acordado,
Também o medo te parece maior quando a tua indiferença
Consciente tira férias do mundo que despreza,
Então dás-te conta da massa crocante que mastigas distraidamente
E começas a cuspir como quem se lembra dos amores
Depois de já nenhum amor, ou do cu lambido antes do abatimento
Do tesão no céu da boca, e enfias os queixos na torneira e cospes
Com medo do espigão entalado entre os dentes com uma gota de veneno
Para a bochecha, mas afinal tu numa loja antiga, antes do turismo,
Fechada há muitas camadas de pó, madeira verde,
Convertida num museu oportunista, com um funcionário com ar
De fantoche sem ventríloquo, e te consome a luz do dia
Até que é hora de te perderes lá fora, mal sobes as escadas podres
Até ao segundo andar sem paredes, tudo é perder tempo,
Visitar vazios de estimação, mastigar medos sem fundamento,
Então acordas com um gosto familiar na boca, o do arrependimento.
28.10.2018
Turku
João Bosco da Silva
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