Seis Juncos
1.
Na relva o gato
descansa
os anos futuros.
Embalado pelo vento
balança vazio
o baloiço enferrujado.
Dois garotos
na água -
eu nenhum.
Um mosquito
pica-me -
obrigado amigo.
Esta mesa onde escrevo
tive-a já
em sonhos.
Logo a água esquece
os barcos
que passaram.
Nunca me deixou ficar
a água que
pelo corpo passou.
Tanta carne
familiar
onde não entrei.
Uma mesa à janela
virada para o mar -
um tesouro.
Este céu que vejo
o mesmo
onde adormecemos longe.
Quase se revela
a Lua
e já seca o esperma.
A pequena bandeira
tão estrangeira
como as outras.
Indiferentes os mosquitos
voam por entre
as gotas de chuva.
Tantas voltas
para se acabar
na mesma escuridão.
Kaskinen, Agosto 2018
2.
A caminho da montanha
sempre
o verde.
Não esperes a borboleta
enquanto a vaca
pasta.
Pela estrada fora
sempre
enquanto há pernas.
Ignorando as nuvens
as vacas
pastam.
Desconhecendo distâncias
o abraço eterno
das montanhas.
Debaixo da macieira
a sombra vazia
espera.
Sob a macieira
espera
a sombra.
Cheira a estrume -
primeira
felicidade.
Cheira a estrume
a infância
tão verde.
Música de incontáveis
chocalhos
na montanha.
Mil aldeias
pequeninas -
tocam os sinos.
Que jovem
a eternidade
dos homens.
No pequeno ribeiro
corre a vida
toda.
Esta partida
para lado nenhum -
vida.
Sem a memória
dos olhos
as pedras mudas.
Suíça, Agosto 2018
3.
O mar apaga
os corações
desenhados na areia.
Escritas na areia
as promessas de amor
que o mar apaga.
O azul que não coube
nos teus olhos -
o mar.
Quando pequeno
as cidades
como as ondas.
Grão de areia
um aborrecimento
como o tempo.
Este grão de areia
toda a minha
vida.
Numa mão cheia
de areia
toda a humanidade.
Também o pôr do sol
um punhado
de areia.
Moledo/Vila Praia de Âncora, Agosto 2018
4.
Voam as libélulas
a hipocrisia
afoga-se no vinho.
Nesta casa pequena
podia haver
mais um copo.
Sempre difícil partir
quando se chega
tão pouco.
Não tentes apagar
o que não podes
esquecer.
O poeta escreve
na máquina -
estão a fazer pipocas.
Canta um galo
e regresso
verdadeiramente.
Ainda os lagares
tão vazios
e as moscas desesperadas.
Ao Sol da manhã
não precisa de açúcar
o café.
O deslumbramento
dos tolos
fascina-me.
Quem cortará
o presunto -
vespa no dedo.
Aberta a melancia
sobre a mesa -
quem a esqueceu?
Longe, tudo
sempre -
a vontade.
Pastam as mulas
o Sol
que a terra guarda.
Tantas portas
se abriram
pela fome.
Enquanto parto
três juncos
o rio passa.
A vespa pica
até as mãos
mais inocentes.
Em frente ao rio
de joelhos
nasce um haiku.
Passa o rio
com ele
nós também.
Quantas vezes
só o exosqueleto
parte.
Cidões, Agosto 2018
5.
Só a fome
não esquece
os amigos.
Sempre do mesmo tamanho
aos olhos
de uma mãe.
Cantam os grilos -
quantos anos
perdidos.
Noite de Lua Cheia -
tudo o perdido
o que somos.
Houvesse silêncio
para escutar
os grilos.
Basta o luar
para iluminar
este caminho.
Não temas
o esquecimento
pouca a máquina.
Não percas tempo
comigo -
ouve os grilos.
Nos grilos
a voz
da eternidade.
Sê constante
como o luar
e os grilos.
No canto dum grilo
não cabe
o orgulho.
Resiste-se a tudo
menos
à má vontade.
Chove sobre
a terra quente -
renascer.
Cai a chuva
sobre a terra quente -
pescoço de mulher.
A tua pele dourada
gotas de chuva
sobre terra quente.
Na língua a tua pele
dourada -
chuva de verão.
Mijar à chuva
acrescentar nada
ao resto.
No rumor da brisa
nos pinheiros
a infância ainda.
Alguém racha lenha
na canícula -
inverno tão longe.
A minha fé
pelas rochas
toscas.
Na pedra intocada
pelo homem
a minha devoção.
Torre de Dona Chama, Agosto 2018
6.
Que familiar cheiro
o daquele corpo
estranho.
Mais um ano
acabado -
fim de verão
Turku, Agosto 2018
João Bosco da Silva
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