quinta-feira, 7 de março de 2019

Seis Juncos

1.

Na relva o gato
descansa
os anos futuros.

Embalado pelo vento
balança vazio
o baloiço enferrujado.

Dois garotos
na água - 
eu nenhum.

Um mosquito
pica-me - 
obrigado amigo.

Esta mesa onde escrevo
tive-a já
em sonhos.

Logo a água esquece
os barcos
que passaram.

Nunca me deixou ficar
a água que
pelo corpo passou.

Tanta carne
familiar
onde não entrei.

Uma mesa à janela
virada para o mar - 
um tesouro.

Este céu que vejo
o mesmo 
onde adormecemos longe.

Quase se revela
a Lua
e já seca o esperma.

A pequena bandeira
tão estrangeira
como as outras.

Indiferentes os mosquitos
voam por entre
as gotas de chuva.

Tantas voltas
para se acabar
na mesma escuridão.

Kaskinen, Agosto 2018

2.

A caminho da montanha
sempre 
o verde.

Não esperes a borboleta
enquanto a vaca
pasta.

Pela estrada fora
sempre
enquanto há pernas.

Ignorando as nuvens
as vacas
pastam.

Desconhecendo distâncias
o abraço eterno
das montanhas.

Debaixo da macieira
a sombra vazia
espera.

Sob a macieira
espera
a sombra.

Cheira a estrume - 
primeira
felicidade.

Cheira a estrume
a infância
tão verde.

Música de incontáveis
chocalhos
na montanha.

Mil aldeias
pequeninas - 
tocam os sinos.

Que jovem
a eternidade
dos homens.

No pequeno ribeiro
corre a vida
toda.

Esta partida
para lado nenhum -
vida.

Sem a memória
dos olhos
as pedras mudas.

Suíça, Agosto 2018

3.

O mar apaga
os corações
desenhados na areia.

Escritas na areia
as promessas de amor
que o mar apaga.

O azul que não coube
nos teus olhos - 
o mar.

Quando pequeno
as cidades
como as ondas.

Grão de areia
um aborrecimento
como o tempo.

Este grão de areia
toda a minha
vida.

Numa mão cheia
de areia
toda a humanidade.

Também o pôr do sol
um punhado
de areia.

Moledo/Vila Praia de Âncora, Agosto 2018

4.

Voam as libélulas
a hipocrisia
afoga-se no vinho.

Nesta casa pequena
podia haver
mais um copo.

Sempre difícil partir
quando se chega
tão pouco.

Não tentes apagar
o que não podes
esquecer.

O poeta escreve
na máquina - 
estão a fazer pipocas.

Canta um galo
e regresso
verdadeiramente.

Ainda os lagares
tão vazios
e as moscas desesperadas.

Ao Sol da manhã
não precisa de açúcar
o café.

O deslumbramento 
dos tolos 
fascina-me.

Quem cortará
o presunto - 
vespa no dedo.

Aberta a melancia
sobre a mesa - 
quem a esqueceu?

Longe, tudo
sempre - 
a vontade.

Pastam as mulas
o Sol
que a terra guarda.

Tantas portas
se abriram 
pela fome.

Enquanto parto
três juncos
o rio passa.

A vespa pica
até as mãos
mais inocentes.

Em frente ao rio
de joelhos
nasce um haiku.

Passa o rio
com ele
nós também.

Quantas vezes
só o exosqueleto
parte.

Cidões, Agosto 2018

5.

Só a fome
não esquece
os amigos.

Sempre do mesmo tamanho
aos olhos
de uma mãe.

Cantam os grilos - 
quantos anos
perdidos.

Noite de Lua Cheia -
tudo o perdido
o que somos.

Houvesse silêncio
para escutar
os grilos.

Basta o luar
para iluminar
este caminho.

Não temas
o esquecimento
pouca a máquina.

Não percas tempo
comigo - 
ouve os grilos.

Nos grilos
a voz
da eternidade.

Sê constante
como o luar
e os grilos.

No canto dum grilo
não cabe
o orgulho.

Resiste-se a tudo
menos
à má vontade.

Chove sobre
a terra quente -
renascer.

Cai a chuva
sobre a terra quente -
pescoço de mulher.

A tua pele dourada
gotas de chuva
sobre terra quente.

Na língua a tua pele
dourada -
chuva de verão.

Mijar à chuva
acrescentar nada
ao resto.

No rumor da brisa
nos pinheiros
a infância ainda.

Alguém racha lenha
na canícula - 
inverno tão longe.

A minha fé
pelas rochas
toscas.

Na pedra intocada
pelo homem
a minha devoção.

Torre de Dona Chama, Agosto 2018

6.

Que familiar cheiro
o daquele corpo
estranho.

Mais um ano
acabado - 
fim de verão

Turku, Agosto 2018

João Bosco da Silva

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