Andar Aos Pássaros
Lembro-me bem do sabor do chumbo entre os dentes,
Do cheiro a musgo e infância nos dedos cada vez menos meus,
A arma de pressão tinha vindo da Espanha, para matares os pardais,
Disse o meu pai, eu preferia atirar às molas da roupa na corda do estendal,
O pequeno pássaro na mira, nervoso, vivo, um pedaço de céu castanho,
No meu dedo o poder de o transformar num número,
O meu coração como o punho pequeno, tão vivo quanto ele,
O pedaço de chumbo que há pouco entre os meus dentes
Agora entrando no corpo pequeno do animal, apagando-o,
O coração acelerando os passos de encontro à victória,
Que afinal, um pedaço de céu destruído, pequenino,
Uma agonia em miniatura do tamanho de todas as agonias,
Eu mais pequeno que o chumbo, que o corpo onde agora o chumbo,
Um orgulho envergonhado, aquele bicho ainda quente,
Nas mãos cada vez menos minhas mãos, agora mais metal
Que o aconchegante cheiro a musgo e infância,
Mais um, como mais tarde mais uma, quase a mesma vergonha,
O desencanto de acertar, de entrar, porque é o que esperam de ti.
Turku
29.03.2019
João Bosco da Silva
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