quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Vazio em Copo Sujo

 

Estou demasiado cansado, podia ir dormir, mas estou demasiado cansado,

Vou em vez, abrir mais uma garrafa de vinho, chupar o passado

Da medula óssea, passar a língua nos dentes e fingir, que de olhos na parede,

Estou outra vez lá, onde fui, com as unhas cravadas no musgo fresco,

As calças de ganga rasgadas pelo granito das fragas, chumbos quatro e meio

Entre os dentes, com os pardais na mira, aquelas pernas brancas das procissões

Do verão, o cheiro do único quiosque da terra a jornal fresco e banda-desenhada,

O amor num toque monotónico quando o saldo quase zero,

Contar os caracteres, esperando que o amor não demasiado longo,

Em vez de, uma garrafa de Bordeux, mais uma garrafa de Bordeux,

Antes era apenas uma cor na boca da minha mãe, cor de vinho quase,

Hoje estou demasiado cansado, até para dormir, porque para dormir

É preciso força para estar vivo e há dias do tamanho de anos,

Que até o sono me dá vontade de uma cama fria, um corpo ausente,

Mais um ridículo universo apagado, um copo vazio, lábios lívidos esquecidos.

 

 

Turku

 

28.10.2020

 

João Bosco da Silva


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