terça-feira, 20 de julho de 2021

 

Depois da Primavera - Haikus

 

Contra a almofada vazia

brilha o sol

de Primavera.

 

Na mesa de cabeceira

os comprimidos

e a felicidade.

 

Através das folhas ralas

o sol

e tudo o resto.

 

Esperam-me a esteva

o rosmaninho

o café do meu pai.

 

Rangem os pinheiros

à passagem do vento –

tudo é.

 

Na parede branca do quarto

uma andorinha

de loiça.

 

Não há nada

que não seja

até o nada é.

 

Como uma fina chama

o fio da teia

ao Sol.

 

Para quantas aranhas

será mundo

este pinheiro?

 

Sem medo

o musgo acolhe

o sol da primavera.

 

Acende-se por trás

dos abetos

a manhã fresca.

 

Roda um calhau

sobre si mesmo –

nasce um dia.

 

Cheiras-me

ao desejo nu

sobre o feno.

 

Além de recordações

e páginas em branco

nada para ler.

 

Entre os dedos

o sumo

dos morangos maduros.

 

Sentado ao sol

aqueço

como o alcatrão.

 

A vida passa

sentado ou não

a vida passa.

 

Uma linha interrompida

um sorriso

que se eterniza.

 

Separa-se o casal

depois da volta

ao quarteirão.

 

Sob a bétula

Brilham

Os dentes-de-leão.

 

Aproxima-se

um guincho-comum –

pede pão.

 

É fome

ou coragem

guincho-comum?

 

Cheio de paixão

é o florescer

das cerejeiras.

 

A verdade este vermelho

o Sol

através das pálpebras.

 

Silencioso o sino

cantam o crepúsculo

as gaivotas do Báltico.

 

Não interessam

as horas

às gaivotas.

 

Na companhia

do tomilho

ao Sol.

 

Palpitante ao sol

seca na minha pele

teu cremoso prazer.

 

Talheres na louça

acordo

para o café.

 

Balançam os juncos

na pressa

de quem passou.

 

Partilho o almoço

com uma gralha –

fui poeta.

 

Nos olhos cinzentos

da gralha

este gesto ridículo.

 

Enquanto a cidreira

cresce

finjo estar em casa.

 

Crepúsculo

lentamente

o dia outro.

 

Tudo envelhece

menos

a vontade.

 

Tocados pela brisa

quente

eu e o pinheiro.

 

Sobre o musgo

espero o haiku –

dia quente.

 

Como as folhas

na brisa quente

os meus pensamentos.

 

Na pele molhada

todo o sol

e a juventude.

 

No ar quente

o pinheiro exala

o aroma da juventude.

 

Sob o pinheiro

dia lento

e quente.

 

Nas fendas da rocha

a água

como a tua excitação.

 

Saltam na água

os adolescentes –

chegará o inverno.

 

Neste dia quente

parecem impossíveis

o inverno e a morte.

 

Sob o amieiro

seca o corpo

sobre a rocha.

 

Lavado no lago

suculento pêssego

abra-se à dentada.

 

Dia perfeito

de verão

se cantasse um grilo.

 

Saído do ninho

o pássaro

no trevo florido.

 

Maio-Julho 2020

 

João Bosco da Silva

 

 

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