Depois da Primavera - Haikus
Contra a almofada vazia
brilha o sol
de Primavera.
Na mesa de cabeceira
os comprimidos
e a felicidade.
Através das folhas ralas
o sol
e tudo o resto.
Esperam-me a esteva
o rosmaninho
o café do meu pai.
Rangem os pinheiros
à passagem do vento –
tudo é.
Na parede branca do quarto
uma andorinha
de loiça.
Não há nada
que não seja
até o nada é.
Como uma fina chama
o fio da teia
ao Sol.
Para quantas aranhas
será mundo
este pinheiro?
Sem medo
o musgo acolhe
o sol da primavera.
Acende-se por trás
dos abetos
a manhã fresca.
Roda um calhau
sobre si mesmo –
nasce um dia.
Cheiras-me
ao desejo nu
sobre o feno.
Além de recordações
e páginas em branco
nada para ler.
Entre os dedos
o sumo
dos morangos maduros.
Sentado ao sol
aqueço
como o alcatrão.
A vida passa
sentado ou não
a vida passa.
Uma linha interrompida
um sorriso
que se eterniza.
Separa-se o casal
depois da volta
ao quarteirão.
Sob a bétula
Brilham
Os dentes-de-leão.
Aproxima-se
um guincho-comum –
pede pão.
É fome
ou coragem
guincho-comum?
Cheio de paixão
é o florescer
das cerejeiras.
A verdade este vermelho
o Sol
através das pálpebras.
Silencioso o sino
cantam o crepúsculo
as gaivotas do Báltico.
Não interessam
as horas
às gaivotas.
Na companhia
do tomilho
ao Sol.
Palpitante ao sol
seca na minha pele
teu cremoso prazer.
Talheres na louça
acordo
para o café.
Balançam os juncos
na pressa
de quem passou.
Partilho o almoço
com uma gralha –
fui poeta.
Nos olhos cinzentos
da gralha
este gesto ridículo.
Enquanto a cidreira
cresce
finjo estar em casa.
Crepúsculo
lentamente
o dia outro.
Tudo envelhece
menos
a vontade.
Tocados pela brisa
quente
eu e o pinheiro.
Sobre o musgo
espero o haiku –
dia quente.
Como as folhas
na brisa quente
os meus pensamentos.
Na pele molhada
todo o sol
e a juventude.
No ar quente
o pinheiro exala
o aroma da juventude.
Sob o pinheiro
dia lento
e quente.
Nas fendas da rocha
a água
como a tua excitação.
Saltam na água
os adolescentes –
chegará o inverno.
Neste dia quente
parecem impossíveis
o inverno e a morte.
Sob o amieiro
seca o corpo
sobre a rocha.
Lavado no lago
suculento pêssego
abra-se à dentada.
Dia perfeito
de verão
se cantasse um grilo.
Saído do ninho
o pássaro
no trevo florido.
Maio-Julho 2020
João Bosco da Silva
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