Confessionário
Para o Carlos,
O meu real confessionário era um Renault 5 vermelho,
Naquelas noites de verão e das primeiras liberdades,
Smirnorff ice era o pecado maior, sem contar com as omissões,
E por minha culpa, minha tão grande culpa, tanto ficou
Por dizer, mais por fazer, não fosse a vontade maior
Que a coragem, sempre, ficava tudo para culpar
A escuridão das noites insones, sufocando no que
As hormonas pediam, de quem aquela voz, este corpo
Que pede e muda, estranho e inelutável como o desejo,
Um Renault 5 vermelho, e o padre o meu amigo,
Com carta de condução, o primeiro a tocar numa francesa,
Pelo menos de nome e palidez imaculada,
As primeiras tetas que com devido consentimento
Enchi as minhas palmas curiosas em frente do posto
Da GNR, depois das aulas, uns furos a jogar
Ao “verdade ou consequência”, um Renault vermelho
E aquele quebra-nozes no meu colo, que ela prontamente
Agarrou, abençoando o meu direito, e no meu diário
Mais uma nódoa para recordar, cada vez que visito
O meu quarto cheio de mofo e recordações ridículas,
Confissões primárias, como as que naquele Renault 5
Vermelho, como a minha alma pequena, que espremia
Atrás da garagem, onde hoje os morangos silvestres
Se lembram dos luares adolescentes, da doçura daquela fome.
Turku
22.07.2021
João Bosco da Silva
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