quinta-feira, 22 de julho de 2021

 

Confessionário

 

Para o Carlos,

 

O meu real confessionário era um Renault 5 vermelho,

Naquelas noites de verão e das primeiras liberdades,

Smirnorff ice era o pecado maior, sem contar com as omissões,

E por minha culpa, minha tão grande culpa, tanto ficou

Por dizer, mais por fazer, não fosse a vontade maior

Que a coragem, sempre, ficava tudo para culpar

A escuridão das noites insones, sufocando no que

As hormonas pediam, de quem aquela voz, este corpo

Que pede e muda, estranho e inelutável como o desejo,

Um Renault 5 vermelho, e o padre o meu amigo,

Com carta de condução, o primeiro a tocar numa francesa,

Pelo menos de nome e palidez imaculada,

As primeiras tetas que com devido consentimento

Enchi as minhas palmas curiosas em frente do posto

Da GNR, depois das aulas, uns furos a jogar

Ao “verdade ou consequência”, um Renault vermelho

E aquele quebra-nozes no meu colo, que ela prontamente

Agarrou, abençoando o meu direito, e no meu diário

Mais uma nódoa para recordar, cada vez que visito

O meu quarto cheio de mofo e recordações ridículas,

Confissões primárias, como as que naquele Renault 5

Vermelho, como a minha alma pequena, que espremia

Atrás da garagem, onde hoje os morangos silvestres

Se lembram dos luares adolescentes, da doçura daquela fome.

 

Turku

 

22.07.2021

 

João Bosco da Silva

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