Língua Materna
E é difícil escrever quando não se usa esta língua de fragas
E beatas, de santos e aldrabões beatificados, de mármore
E velas nos cemitérios onde crescem couves galegas e
saudades,
Cerejas nas orelhas das meninas da segunda classe, caranguejos
Em sacos de plástico nos intervalos do aniversário
Da filha da peixeira, é difícil escrever, depois de emigrar,
Logo depois dum papel que nos torna aptos para ser
Acrobatas, exorcistas, equilibristas e ilusionistas,
Em ilhas abençoadas pelos ares africanos, é difícil escrever
Quando usamos uma língua que doma renas, o urso
E as ondas do Bótnia, usamos e não dominamos,
E o urso vem e as renas vêm e o Bótnia já nos cobre
E nos sonhos, agarramos a gaita com vergonha,
De olhos fechados e contra uma parede branca deixamos
A marca que é o silêncio dos filhos que nunca terão
Que sofrer neste mundo de ninguém, do qual demasiados
Julgam ser donos, ridículos, todos, reis de um futuro vazio,
É difícil quando esta língua, esta mistura de sotaque celta
Com opressão romana, este orgulho de expansão católica,
Propaganda colonialista, se tem que arrancar dos sonhos,
Dos momentos de silêncio comigo mesmo, do dicionário
Ao lado do copo vazio que afasta as palavras maiores
E mantém ao lado a simplicidade do vómito mais sincero.
Turku
10.04.2022
João Bosco da Silva
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