sábado, 28 de janeiro de 2023

 

Merda de Cão

 

A caminho do centro da cidade, em frente a um restaurante indiano,

Um homem arranca dum bolso um saco de plástico,

Que com grande dificuldade de luvas, tenta abrir,

Ao seu lado, um cão felpudo olha para um grupo de cagalhões

No passeio, com ar de alívio e vergonha, o saco que não quer abrir

Em direção à merda canina e a na cara do homem uma frustração gelada,

Ali mesmo, eu e a poesia, o ridículo no seu esplendor,

Eu o cão e o homem, os meus dedos naquelas luvas,

O saco que não quer abrir e a merda ali, fresca, à vista

Do mundo e das narinas mais perspicazes e sensíveis, toda a

Inspiração possível ali, à espera que eu a apanhe e a amasse

Num poema, lhe dê uma forma qualquer, eu apenas aliviado

E envergonhado pelo producto resultante de tal necessidade,

Nunca fui afinal poeta, muitos tinham razão, andei apenas a passear

Um cão que viveu dentro de mim todos estes anos,

Agora alimento-o a vinho e solidão, caga pouco e ladra menos,

Durmo melhor à noite e quando acordo, não me interessa sequer

Se o saco não se quer abrir na inabilidade dos dedos gelados.

 

28.01.2023

 

Turku

 

João Bosco da Silva

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