quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

 


Lohengrin

 

Enquanto ouço Lohengrin, sinto o gentil peso

Do teu sono no meu peito, fecho também eu

Os olhos para saborear mais profundamente

A tua companhia imaculada, sinto todo o peso

Dos anos lavar-se da cara que me veste,

Uma leveza morna, como o leite nas manhãs

Da infância, inspiro fundo, como se há anos

Numa apneia, estou longe, sinto o cheiro fresco

Da terra revolta pela enxada do meu pai,

Adivinho o brilho da gota de orvalho numa couve,

Sinto-me longe de ser sábio e do inferno,

No ribeiro ao fundo da encosta da vinha,

Eleva-se uma bruma, vozes que não partiram,

Está tudo no lugar certo e o mundo ainda

Um mistério justo que faz sentido, tivesse eu

Sempre o bálsamo da tua serenidade restauradora,

Em breve verás pela primeira vez o regresso das folhas,

O inverno foi meigo, não prometo melhoras,

Mas entrego-te os meus braços para sempre.

 

Turku

 

25/02/2025

 

João Bosco da Silva

domingo, 23 de fevereiro de 2025

 

 

 


Não te cubras de angústia, agora que o visco

Dos teus desejos não será sentido

Na pele alheia que te ignora,

Foram belas as noites à beira do rio,

As rãs cantam na mesma língua,

Só as certezas se tornam cada vez

Mais raras, como o cabelo

E os medos tão evidentes e inúmeros

Como os que sobram, brancos,

Uma vergonha nos espelhos,

Não te cubras por isso de angústia,

Ou saudade, tudo lá ficou, tudo lá está,

Basta recordares, ouvires as rãs,

Deixares-te levar pelo aroma fresco

Do rio no início da primavera,

Longe dos primeiros degelos,

De todos os amores, que também

Eles envelheceram, se tornaram

Uns em vergonhas, outros em nostalgia,

Nenhum foi, contudo, inútil,

Tudo acrescentou significado

Ao cantar das rãs e valor ao silêncio.

 

23.02.2025

 

Turku

 

João Bosco da Silva

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

 


Corda bamba

 

Quando os dias estão cheios,

Não há espaço para a poesia,

Nem se repara se chove

Ou se faz sol, o tempo passa,

Seja do passado para o futuro

Ou vice-versa, nada do que fazes,

Fizeste, ou farás é, realmente,

Escolha tua, há uma só linha,

Todas as infinitas possibilidades,

Não te pertencem, nem te seguram

O pêndulo, quer o tempo corra

Em que sentido correr,

O desfecho será o mesmo,

Apagamento da tua consciência

E ilusão de individualidade,

Não corras, que não é possível,

Deixa-te levar, não te rebaixes

Nem te eleves, vai esquecendo,

Facilita o regresso ao nada.

 

06/02/2025

 

Turku

 

João Bosco da Silva

terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

 


Poeta

 

O meu pai disse-me hoje

Que ia plantar umas árvores,

Deixar assim frutos ao futuro,

Não há poema meu que lhes

Sobreviva, só queria que, também

Ele que as planta, pudesse,

Num dia quente de verão,

Gozar da sua sombra

Na companhia do futuro

Que lhe provará os frutos.

 

04/02/2025

 

Turku

 

João Bosco da Silva