quarta-feira, 14 de maio de 2025

 


Aos Pares

 

Era a professora de história ou tu,

O luar era só um, a vontade múltipla,

Acabaste por ser tu primeiro contra o vazio

E a professora a uivar com uma pressa

De sutiã no velocímetro a contar rotações,

Terias preferido que depois de me sacudir em ti,

Uma pressa de mini e matraquilhos barulhentos,

Pouco nos interessavam já os dramas pequenos,

Iria partir, como estava sempre de partida

E nada seria nunca para durar,

A não serem os ecos daquelas rãs vida fora,

Como se não tivessem havido tantas outras professoras,

Cada uma com uma nova lição, uma nova surpresa

Atrás das mesmas pregas de sempre,

Nunca tive medo aos anos oitenta, nem a passado

Nenhum, os mapas de papel, nunca mudam,

Mesmo que o mundo, agora, seja outro.

 

Turku

 

14/05/2025

 

João Bosco da Silva

quinta-feira, 8 de maio de 2025

 


Ar Fresco da Serra

 

Lembro-me do fim do verão no teu casaco de ganga

Na serra, ao pé de uns baloiços, estacionados na escuridão,

Sei lá na companhia de que lobos, toalhetes já secos,

Papel higiénico onde futuros arrastados do exterior

Dos ventres férteis de fome e sede, mas era à confiança

E lá me deixava cair todo eu, rasgando-me em jactos

Que mais tarde acabava por usar para facilitar

Um segundo mergulho e um anel cremoso, nosso,

A surgir na minha vontade reacendida pelo teu pescoço

Ao ténue luar, e mais uma vez saltando de olhos abertos

No teu acolhedor abismo, num estremecimento vazio,

Não recordo toalhetes ou papel higiénico depois,

Umas cuecas rápidas, a conter a viscosa prova do vício,

E assim, cheia do ar fresco da serra, regressavas furtivamente

A casa dos teus pais, porque tu recém separada

E eu um café com uma amiga, escorrendo-te pelas coxas abaixo.

 

Turku

 

08/05/2025

 

João Bosco da Silva

sexta-feira, 2 de maio de 2025

 


Todos os Caminhos

 

Gosto do cheiro a sabão barato, das barbearias,

Do desodorizante Tabac original, é como abraçar

O meu pai ainda jovem, aprumado à maneira possível

Aos pobres, gosto de fatos treino retro e campos de ténis

Cobertos por folhas de eucalipto e esquecimento,

Gosto de modas passadas e hábitos perdidos,

Gosto de ouvir pela primeira vez músicas pop japonesas

Dos anos oitenta, é como limpar a familiaridade

E voltar a não saber ler e ser feliz na forma bruta,

Estranhamente tudo isto me leva ao Parque Termal do Peso,

No cérebro, todos os caminhos vão dar ao início da caminhada,

O fim é aproximar-nos do início.

 

Turku

 

01/05/2025

 

João Bosco da Silva

 


Mijar na Cama

 

Quando era garoto, às vezes, quase acordava,

Num quarto absolutamente escuro e o vazio

Parecia-me infinito, a cama flutuava num vazio total,

Tão grande que podia muito bem ser um caixa fechada

E o tecto bem perto, intocável pela minha paralisia,

Quase acordava numa vertigem de nada,

Incapaz de alcançar o interruptor do candeeiro,

Ou um grito que me acordasse, mas só silêncio

Do tamanho da escuridão, era provavelmente

Nesta altura que mijava na cama.

 

Turku

 

01/05/2025

 

João Bosco da Silva

quinta-feira, 1 de maio de 2025

 


Velha Camisa

 

O que restará de ti, nesta camisa, onde

Te verteste com uma força além da vontade,

Eu surpreendido com a calibração fisiológica

Dos teus dezanove ou vinte anos,

Já depois de ter contemplado a minha sorte,

Quando de tanga preta, caminhaste até

À casa de banho, para te refrescares de coragem,

Antes da minha fome lapouça, desabar sobre ti,

Fazendo-te explodir no meu maravilhado lambuzamento,

Naquela noite tinhas saído decidida a não dormir

Enxuta, às vezes quando gozo muito acontece, dizias,

Não me lembro sequer do teu nome,

Mas sempre que visto esta velha camisa,

Lembro-me da cicatriz na tua perfeita nádega esquerda

E pergunto-me, o que restará de ti nela.

 

Turku

 

01/05/2025

 

João Bosco da Silva

 


Aniversário à Beira do Rio

 

para quem bem sabe,

 

Amanhã lá estaremos de novo, à beira do rio,

O barulho do motor de rega a esconder-nos

Da luz do dia, o teu cabelo a enrolar

À medida que a humidade aumenta,

Os choupos a fazer uma sombra desnecessária

Num dia de céu de leite, de novo,

Desta vez, longe da cave escura, onde te refugiavas

E comias iogurtes, nas intermitências da loja

De roupa, do shopping onde trabalhavas,

E acabávamos com a caixinha de três,

Já não contava com mais e afinal, pedias-me,

Eu já seco, pedias-me que me corresse,

Eu ofegante, depois de ter galgado todas

As possibilidades abertas do teu corpo, me pedias,

Que me corresse na tua boca, e amanhã,

Lá estaremos uma vez mais, tão longe hoje,

À beira do rio, dizes que não te lembras da minha voz,

Eu não me lembro da textura dos teus lábios,

Culpo todos os aniversários que vieram sem ti,

O silêncio daquele motor de rega.

 

 

Turku

 

01/05/2025

 

João Bosco da Silva