A minha Rue Faubourg Montmartre
A minha Rue Faubourg Montmartre é sem dúvida
A Rua do Almada no Porto, não há lugar a que regresse
Tantas vezes em sonhos, como àquele quarto alugado,
Naquela rua, furtivamente regresso, ou porque a porta
Está aberta ou porque em segredo guardei uma chave,
E o quarto, anos depois, vago, à minha espera,
Com papéis que deixei para trás ainda nas gavetas,
Roupas esquecidas no guarda fatos, uma renda
Com décadas de atraso, regresso com novas amantes,
Que nunca na Rua do Almada, aquela rua onde me cruzei
Com amores que nunca se concretizaram e vão agora
No segundo casamento e na décima vida,
Uma rua que cheirava a pó em lojas de ferragens,
Esquecimento, falência e vazio, de gatos vadios
Que se adoptavam com o nome de Bruce
E tinham uma vida feliz com o cantor de fado,
Uma rua que metia um medo de sonhos, aquele medo seguro,
Onírico, Le Chien qui Fume morreu na pandemia,
Hoje rua de turistas e wine bars, hip e very typical,
Que se visita em carne com a jovem leitora que entretanto
Perdeu a timidez, numa noite com promessa de sonho,
Que se leva levemente, como quem sabe que acordará,
Ou o avião de manhã para longe, da rua e de tudo,
Que se sabe que num sonho breve, o mesmo quarto,
De onde, da janela, se olhava com uma fome de cortina,
As jovens prostitutas ucranianas em direção à Trindade,
Ou as madames em busca de um tunning perfeito,
Na corporação ao lado da igreja neo-gótica,
E se contavam como ovelhinhas os autocarros da CTCP,
Num desespero de insónia e aço, até se adormecer no sonho.
Turku
03.11.2025
João Bosco da Silva

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