Brinquedos
ao João e ao Rodrigo
Que interessam os brinquedos partidos no sotão de um desconhecido?
As mãos insistem em pegar-lhes, em escrever-lhes uma história no silêncio,
Em inventar um conhecimento do desconhecido, já morto, obviamente morto,
Se os brinquedos estão no sotão, como que esquecidos, tem que estar morto.
Quantos outros se imaginam, perdidos antes da morte chegar,
No mundo onde a vida lhes pode chegar ainda por outras mãos,
Longe da caixa de papelão castanho, onde estão encerrados sorrisos de plástico,
Ecos de tardes ao sol, ou no quarto, se chuva lá fora, até que acalmem as fúrias divinas,
No tempo em que deus um super-herói de um livro antigo.
Realmente não interessa a ninguém este homem-aranha, esta metade de braços abertos,
Como uma peça de arte-sacra, das que não estão à vista,
Das que esperam um restauro, de uma mão que lhe dê a outra metade,
Mesmo que alguém a tenha arrancado e queimado com uma caixa de fósforos roubada.
A ninguém interessa, mesmo que tenha sido o primeiro brinquedo, mesmo que em segunda mão,
Mesmo que partido, entre as folhas debaixo de uma árvore, abandonado.
Onde estará a cabeça do robô japonês feito na china,
Que recebeu no natal de mil novecentos e noventa,
Onde um pedaço de papel redondo, colado com fita-cola, com dois pontos e uma linha curva
A fingir um sorriso que se esqueceu como desenhar?
Deve ter-se partido numa das muitas viagens de mudanças e ficado perdido na infância nómada.
Quantos brinquedos perdidos nessa infância nómada. Só o primeiro nome ficou.
Os brinquedos só têm o primeiro nome, é o suficiente para quando chamamos por eles,
Quando abrimos uma caixa esquecida no sotão de um desconhecido, com a curiosidade da solidão,
No sotão de um morto, porque o pó é já do tamanho de uma vida.
Imagina-se que falta aquele brinquedo favorito, aquele dos onze anos, o que se queria mesmo,
O que se recebeu mesmo não sendo surpresa, como algo conhecido de que se gosta de verdade,
Se pega com gosto, sem a pausa de uma tentativa de fingir um sorriso.
Falta mesmo. Foi para o melhor amigo, no dia dos seus anos, porque assim é a verdadeira amizade.
Afinal não falta todo. Há um pedaço, o único que sobrou depois da amizade se ter quebrado,
Porque os donos morreram. Que interessam os brinquedos velhos de um desconhecido?
Para nada, mas também tivemos os nossos, que se fecharam em caixas,
Que se lançaram na escuridão de um sotão, se cobriram com o pó dos anos,
Se deixaram apodrecer enquanto forçavamos uma cara séria
E esqueciamos como florir um sorriso e inventar um mundo novo.
Que interessam os brinquedos partidos no sotão de um desconhecido?
Não interessam, porque o desconhecido eras tu se estás morto.
07.06.2010
Savonlinna
João Bosco da Silva
ao João e ao Rodrigo
Que interessam os brinquedos partidos no sotão de um desconhecido?
As mãos insistem em pegar-lhes, em escrever-lhes uma história no silêncio,
Em inventar um conhecimento do desconhecido, já morto, obviamente morto,
Se os brinquedos estão no sotão, como que esquecidos, tem que estar morto.
Quantos outros se imaginam, perdidos antes da morte chegar,
No mundo onde a vida lhes pode chegar ainda por outras mãos,
Longe da caixa de papelão castanho, onde estão encerrados sorrisos de plástico,
Ecos de tardes ao sol, ou no quarto, se chuva lá fora, até que acalmem as fúrias divinas,
No tempo em que deus um super-herói de um livro antigo.
Realmente não interessa a ninguém este homem-aranha, esta metade de braços abertos,
Como uma peça de arte-sacra, das que não estão à vista,
Das que esperam um restauro, de uma mão que lhe dê a outra metade,
Mesmo que alguém a tenha arrancado e queimado com uma caixa de fósforos roubada.
A ninguém interessa, mesmo que tenha sido o primeiro brinquedo, mesmo que em segunda mão,
Mesmo que partido, entre as folhas debaixo de uma árvore, abandonado.
Onde estará a cabeça do robô japonês feito na china,
Que recebeu no natal de mil novecentos e noventa,
Onde um pedaço de papel redondo, colado com fita-cola, com dois pontos e uma linha curva
A fingir um sorriso que se esqueceu como desenhar?
Deve ter-se partido numa das muitas viagens de mudanças e ficado perdido na infância nómada.
Quantos brinquedos perdidos nessa infância nómada. Só o primeiro nome ficou.
Os brinquedos só têm o primeiro nome, é o suficiente para quando chamamos por eles,
Quando abrimos uma caixa esquecida no sotão de um desconhecido, com a curiosidade da solidão,
No sotão de um morto, porque o pó é já do tamanho de uma vida.
Imagina-se que falta aquele brinquedo favorito, aquele dos onze anos, o que se queria mesmo,
O que se recebeu mesmo não sendo surpresa, como algo conhecido de que se gosta de verdade,
Se pega com gosto, sem a pausa de uma tentativa de fingir um sorriso.
Falta mesmo. Foi para o melhor amigo, no dia dos seus anos, porque assim é a verdadeira amizade.
Afinal não falta todo. Há um pedaço, o único que sobrou depois da amizade se ter quebrado,
Porque os donos morreram. Que interessam os brinquedos velhos de um desconhecido?
Para nada, mas também tivemos os nossos, que se fecharam em caixas,
Que se lançaram na escuridão de um sotão, se cobriram com o pó dos anos,
Se deixaram apodrecer enquanto forçavamos uma cara séria
E esqueciamos como florir um sorriso e inventar um mundo novo.
Que interessam os brinquedos partidos no sotão de um desconhecido?
Não interessam, porque o desconhecido eras tu se estás morto.
07.06.2010
Savonlinna
João Bosco da Silva
A velha infância que nos foge. Ser adulto é uma imposição triste! Sobra-nos a ilha feliz :D
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