Heróis
aos esquecidos que por cá andam
Tantos segundos passaram que já nem se dá conta da batida dos ponteiros,
Até a passagem dos dias pouco se sente, não fosse o arrefecer e os tons rosa e cinzentos
Com que o céu ameaça a despedida do Sol, já afogado além dos montes longínquos
A uma distância desprezível para quem já percorreu anos e já conquistou rugas.
Tão longe ficou o caminho até Goa, passando por Cairo, Beirute e o regresso de Nice a Lisboa,
De avião, como se uma devolução apressada, hoje na despedida do dia,
Um que ouça, porque as árvores que tombam numa floresta sem ouvidos
Nunca caem de verdade. As tardes que só a enxada acompanha enquanto a terra se abre,
Abrindo-se as memórias quase pesadelos, enquanto o suor escorre pelas pregas dos anos.
Heróis anónimos, esquecidos no mundo esquecido pelos putos de cabelos brancos e gravata,
Pelos putos que são o país, que dizem ser o país, que só por ele alguns lutaram,
Tombados e ignorados, no limbo entre a queda e o embate no chão duro da realidade.
Agora adormecem com um medo ébrio à porta dos cafés que lhes apagam a dor
Do passado, num presente calejado, curtido pelo Sol dos dias. A roupa de Inverno é a de Verão,
Porque o Verão ficou naquelas terras de longe, onde a terra era de outra cor,
Onde até as vacas eram diferentes. O Verão ficou com a parte da alma que lhes arrancaram
E hoje os putos… riem-se dos náufragos, dos heróis das histórias desconhecidas
Que só eles guardam, lá no fundo, nas florestas de plantas estranhas,
Com febres de doenças impossíveis neste lado dos montes.
Beirute é bonito, aquilo é bonito, com os olhos antes da guerra civil,
Passei por lá noutra vida, quando ia a caminho da guerra, numa das três colónias da Índia.
Regressa, sozinho enquanto o dia se despede, com menos anos pela frente,
Com os filhos num país mais pequeno, dizem que melhor:
Como não pode não ser melhor, se não arrancou pedaços de gente à gente a troco do esquecimento?
Aqueles dias tão claros, hoje, quando se confunde uma rapariga que nem é desconhecida com a neta.
Vive-se tanto, para no fim o dia acabar e mais uma manhã num mundo que não se lembra
Da dor, do medo, dos cortes no corpo e na alma, que não nos lê a pele maltratada,
Ou além da pele que antes com outro brilho, não fosse o peso dos anos,
Que a puxa para baixo, onde muitos já não vivem. Passa-se por tanto por tão pouco,
Mas deus é justo e a missa do Domingo é a única esperança, agora que já ninguém se lembra
Que eu fui muito mais que um velhinho de enxada às costas, que fui o país,
Enquanto o dia se despede em tons quentes e frios, de fim e início.
04.10.2010
Torre de Dona Chama
João Bosco da Silva
Os heróis que o tempo marcou, consagrou, e renegou. Um dia foram eles, outro dia seremos nós. Ignóbeis vencedores de espada frouxa.
ResponderEliminarExcelente .....
ResponderEliminarJoão , estava aqui a pensar...
e que tal se fizéssemos um pequeno filme deste texto ...????
beijinho
teresa