Confissão a Sylvia Plath
A minha cadela uma leoa pequenina e eu ladro-lhe um pensamento.
O frigorífico dá-me um pacote de leite quase vazio
E eu já fumei dois maços de cigarros e sinto-me pesado
Com tanta cerveja e alcatrão.
Anti-depressivos, poesia e solidão mal conseguida,
É isto Sylvia?
Pego no António Lobo Antunes e ele diz-me que Camões
E sinceramente, hoje não estou para ler Faulkner,
Já me vim apesar de tudo e tenho o amor da minha vida bem longe
E frio do corpo onde me despejei.
A arquitecta italiana é tantas, que ainda não a reencontrei,
Mesmo sabendo que está em Barcelona
E tu Sylvia já morreste com a tua depressão.
A minha mata-me e escreve e eu inocente de tudo,
Sabes bem e se não sabes,
Os Sôbolos Rios Que Vão e a bola de ténis da estrangeira loira,
Que provavelmente inglesa.
Sei que bebeste vinho do Porto Sylvia
E tenho pena por nunca ter estado dentro de ti,
Apesar de muita gente (tu morta), dizer que não gosta.
Sabes, também há gente que não gosta de António Lobo Antunes,
E eu, só tenho pena dos que vão morrer assim.
O meu hálito é tabaco e nem sei se o meu ou de quem me morreu em nome.
Aquele gajo português de olhos castanhos, tentarão recordar,
Mas eu não Sylvia, eu nunca português.
O meu hálito a leite e a minha cadela uma leoa pequenina
E tu no caixote do lixo, apesar de morta, porque alguém não gostou,
Como se isso nos interessasse.
Se escrevemos é porque já nós não gostamos, ou de outra forma,
Ainda poderias estar aqui, ao meu lado, cheia de rugas
E com uma tristeza aguentada a caneta e papel.
O anjo da guarda que a minha mãe me deu, não será suficiente,
Porque me lêem e me dizem que se não me conhecessem,
Eu mais um no cemitério. Ainda não perceberam
Que eu ando para chegar a ti, desde que pensei, eu sou,
E isso faz pouco sentido.
Temos pena Sylvia, mais nós que os outros,
Mas eu vou tentar aguentar, mesmo sabendo que amanhã
Acordarei e serei menos eu mais um dia.
Sylvia, dorme bem e não te preocupes,
Um dia vou-te visitar.
10.12.2010
Torre de Dona Chama
João Bosco da Silva
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