Justificação do Negro
para o meu avô, que não está em lugar nenhum
A vinha não matou o teu avô, foi ele que a bebeu,
Anos após anos, magro, cinzento, cada vez mais,
Com a casa cheia de dinamite, ele próprio instável
Com o seu delirium tremens já quando amarelo,
Quase verde, sem esperança, terminal nas últimas visitas
A casa, com a sua colher de sopa quase impossível,
Tornando-o numa cena triste e ridícula, levando
O apetite de todos com o tremor, último almoço,
Com um sabor quase biliar, empurrando com água
A amargura de cada segundo, último, doloroso.
Onde estarão as presas do javali que te obrigou
A claudicar pela vida fora, quer sóbrio (raro),
Quer no teu estado normal de humor despreocupado?
Os teus cães, teus amigos mais sinceros,
Foram abatidos pouco depois de seres enterrado
E os teus netos comem cerejas enquanto,
Tu esperas a eternidade dentro de um caixão barato
Na igreja da aldeia que te viu nascer.
O teu amigo de Guimarães nunca mais voltou
À tua terra e nunca houve tantos coelhos
Como agora, nem tantos peixes, nem tanto vazio
Na lareira fria, solitária, sem o teu eterno banco
Ao lado, afinal nada eterno e queimado,
Cinzas, pó, como os teus cães.
Nunca mais verás o último primeiro beijo
Do teu neto de cinco anos, atrás do tanque da vizinha
Com aquela menina loira e nunca mais te
Sentirás orgulhoso da casa cheia nas noites de Verão
Depois da tarde passada no rio da aldeia,
Quando tudo fazia sentido, no tempo em que
Nada se questionava e tudo parecia certo
Como as uvas todos os meses de Setembro.
Não, não foi a vinha, nem o futuro da tua
Casa quase vazia em Novembros roubados
Às probabilidades geladas da manhã arrependida,
Nem Agostos que viram morrer inocências
No quarto onde os teus filhos nasceram,
Não foi o vinho que te fez tu, nem o pouco que tinhas
E te fazia tão grande, com amigos além fronteira,
Trazidos do tempo do contrabando de meias e pouco mais
(Os filhos precisavam de leite além das sopas de cavalo cansado),
Não se sabe bem o que foi, além da cirrose alcoólica
E dos ponteiros do relógio barulhento que ninguém ouve.
Não chegaste a encontrar o sapato que perdeste
Naquela festa de Verão que acabou
Por causa da chuva e dos trovões, porque estavas bêbado,
Mas sei que não será necessário,
A terra comeu-te a necessidade de calçado.
29.03.2011
Turku
João Bosco da Silva
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