Turku, Esplanada do Fransmanni
Passam aviões uns atrás dos outros enquanto finjo ler pão com fiambre
Ou tosta mista, sei lá, passam tão perto que sinto a turbulência do seu perfume,
Tão iguais, talvez um nome diferente e a cada uma delas dou um, dois, três segundos,
Depois outro voo, um, dois, três e o som dos passos pouco sinceros cada vez mais longe.
Deixam nuvens de cabelos pelo ar, demasiado tudo, tudo excessivamente,
Uma aerodinâmica que dificilmente é lubrificação, um ilusão que fica na toalha
E raramente não duram uma almofada quente. Não há mistério,
Só vários modelos do mesmo, não há nada original ou só a loucura é original
A estas horas do fim do mundo à sombra de um estrela que morre lentamente como a eternidade.
Passa, uma daquelas moscas que não param em bares, não nos que eu finjo ser algo mais
Do que o que pouco que esperam de mim, ou sei lá, com umas calças quase vermelhas,
Não fossem os dias do cansaço que é o seu suicídio de décadas, passos quase seguros
Que outro planeta (certamente) e pára, vira-se para a esplanada onde estou,
Só de mim estou certo, e começa a esmurrar o ar como um pugilista esgotado,
O mundo, fantasmas que todos temos à nossa volta, mas só ele, tão cego, tão perdido, vê.
Acena a quem passa, aos autocarros tão cheios de vazios resignados, quase uma vénia
Quando umas adolescentes passam e perto do passeio dois dedos que entram numa humidade quente
De outros anos, quando o seu cheiro ainda era suportável e a sua presença permitida,
Ou sobravam uns trocos da bebida para umas putas ou para um investimento com futuro fracassado,
Volta a esbofetear a sociedade e eu sentado nela, escondido num parecido
A tornar-me mais negro, melhor ou pelo menos a tentar, se tentar é possível.
Há quem o veja e se faça notar, há (muitos) quem finge não ver, mas todos têm olhos
E faz sol e ele pára e numa posição de cadela a mijar, torna as calças mais escuras e
Deixa um pouco de si no passeio, onde todos os senhores do mundo, a carne da sociedade,
Caminham sem se darem conta da morte, da miséria, do vazio que é o futuro de todos.
Lá se vai, lá me desaparece da vista e eu dou-me conta que me prendeu a atenção
Durante alguns minutos com o seu teatro grotesco, a sua originalidade, o seu desprezo
Pelo mundo que passa como se fosse eterno. Entre milhares de passos e eu sentado,
Foram os que me soaram mais a gente e sei que um dia estará a vomitar sangue,
A ir-se para lado nenhum e sem visitas enquanto um médico escreve a ordem: não reanimar.
28.04.2011
Turku
João Bosco da Silva
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