Um Ponto Final
As inofensivas uvas entre urzes e giestas, lá longe, a fermentar na memória
Que mata o cemitério de todos os mortos, até mais um, dentro de um reflexo
Até ao infinito e só o nada é do tamanho do tudo, dura a eternidade e nunca começou
De verdade, mais uns pés pequenos a esmagar ouriços debaixo de um castanheiro,
Que parece eterno, que parece mais real que todos os poetas juntos,
Um pico que se leva para casa, as mãos de uma mãe a procurar na caixa
Da costura uma agulha e um bocadinho de medo, quase como quando
Se abrem as pernas pela primeira vez, mais ao contrário e o sol dura pouco,
Logo começa a chover, a pele arrefece como se nunca houvesse verão,
Ainda com a pele nova a nascer, a areia longínqua a cair de lugares escondidos,
Menos a memória que fica, a sinceridade que se deixou em tendas de campismo verdes,
Onde a inocência não deixou que se fosse o maior, primeiro, sem interesse,
Melhor o último, melhor nada de todo, pára, não pára, abre não convida,
A inutilidade de todas as bandeiras como o excesso ao pé da fome,
Milhões em areia num deserto que ninguém conhece, mas todos sabem que existe,
E uma uva é tão pequena entre o polegar e o indicador, quase transparente
Quando se tenta ver o sol através dela, dourado o fio de azeite, alto, um raio de sol,
Sem o cheiro a musgo na sala, nunca mais foi Natal desde a última vez há tantos anos,
Tudo perde o interesse e cada aniversário é uma celebração do durar,
Como se isto tudo um concurso estúpido a ver, a ver, mas sem saber o que se está a ver,
Uma noite cansada, bebida para deixar o que se é na casa da casa, na almofada impossível,
Sem defuntos às costas, dos que partiram, dos que nos partiram, dos que possuímos
E nos possuem sem razão ou remorsos depois de se arrancarem da alma, ou algo
Que dói como tudo o que se é ao mesmo tempo, cortado por uma daquelas espadas
Dos anjos na bíblia ilustrada, com fogo e sabe-se lá que metal,
Sem interesse, porque no fim, já se sabe, depois de tanta vírgula, lá terá que vir um.
17.05.2011
Turku
João Bosco da Silva
no fim são sempre três pontos...
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