O Crescer Das Unhas
para Sara F. Costa,
As unhas crescem e não interessa a pele que lá ficou, no esquecimento, nunca ninguém se lembra
Do último cigarro, mas será sempre o último e a primeira gota de água não ajuda mas começa
A transformação desconfortável numa corrida desnecessária, porque o que nos vai cair já vem a caminho
E as unhas crescem, ou dão a ilusão que crescem, a carne que morta, desiste e se retrai, como um
Último beijo que se sabe último beijo e às vezes mais vale encolher no meio de um rio frio,
Lá no fundo escuro, sem olhos cá em cima, sem ponte, só o silêncio e a eternidade que todos ganham,
O fim das tardes depois do toque da trindade, só os cães fiéis companheiros até da solidão dos homens,
Os paralelos vibram e as unhas crescem, enquanto os lençóis se puxam para cima, alguns
Além do último cabelo desalinhado, os olhos desviam-se, mas quando há, há e acabou, mais vale
A resignação de um olhar verde de ódio, porque tu te mataste e nunca mais serás quem te criei,
Quando estrelas e geada fria à lareira, o poeta esquecido na vila desconhecida jaz numa campa sem nome
E a Lua diz que as unhas ainda lhe crescem, já não levam epiteliais rasgadas num suspiro pedido
A beijos violentos até que sabor a sangue também e só os dentes têm a profundidade necessária
Quando as palavras têm o peso de uma pluma, mesmo quando profundas, mesmo quando
Parecem eternas e cheias de promessas no infinito que o vento leva como se dois dias a eternidade,
Por isso os dentes fundos, mais uma semana, a durar durante o verde, o nojo, a impossibilidade
De matar com o esquecimento, nem o Sol se vai quando se põe e a Lua diz que as unhas crescem,
Diz também que o amor cresce da ilusão e se torna ódio pelas evidências, os olhos fecham-se
Mas sentem-se abrir lá no fundo, escuro, frio, do rio que na infância quente e hajam silvados
Para a gente ver se ainda sente e um Ventil para partilhar com os amigos, enquanto se espera
A hora de partir para outra partida, o amanhã tarda, os pontos finais evitam-se como as despedidas,
Porque enquanto houver mais uma vírgula, as unhas crescem e até lá ainda se espera que aquela
Morenita espere, lá mais à frente, no caminho dos caminhos que se cruzam, mas sem ilusões
Que Agosto foi há muitos anos e o rio sabe hoje a saudades porque a carne que se veste tão longe
E o céu mais baixo, mesmo que as unhas cresçam, mesmo que não parem de crescer.
31.08.2011
Turku
João Bosco da Silva
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