No Mundo De Onde Venho
Às vezes basta uma pessoa sentar-se, dar um suspiro ou dois e olhar através da janela,
Algo vem a iluminar, nem que seja uma nuvem que se desvia, por misericórdia,
Um pássaro que no ramo da árvore mais próxima te dedica um olhar breve e regressa
Ao seu mundo de ar e alturas, às vezes nem um cigarro te acende a alma,
Nem o sorriso naquela foto, que esqueceste como se rasgava, daquelas coisas
Que não se pensam, não se aprendem, florescem e quando o Outono vem, impossíveis.
No mundo de onde venho, a gente cura-se à força de álcool, trabalho duro e mal pago,
Infidelidades desnecessárias, nem sempre gratuitas, más-línguas e tradição,
A gente tem tudo para ser triste, mas não parece triste, só quem lê olhares
Percebe, só quem se senta no balcão e bebe o desespero daqueles bancos vazios,
Tão longe e impossíveis de partir, o cansaço das asas, das penas e as raízes
Dos lugares familiares, a mulher do amigo, aquela divorciada, a puta que sacia
O desejo por umas valentes gotas de suor ao Sol, à geada, e amigo é quem paga uma cerveja,
Uns oitenta cêntimos a significar tanto para uma sede que nem se tem, é outra coisa,
Que surge, quando se senta, se debruça no balcão e nem um verso, só a tristeza
A negar ser palavras e para quê palavras, um gajo encosta-as contra a escuridão
E chora aí as lágrimas leitosas que são permitidas aos homens de verdade.
Ninguém anda deprimido, aqui ninguém é maluco, há dias tristes, há dias
Que de manhã a lareira até custa a acender, mas depois lá vai, há quatro ou cinco
Dias no ano em que tudo vale a pena e o resto é a vida, não é, a vida não é fácil,
Mas a gente aqui não vive mal e vive-se tão mal, à espera de algo que não vem,
Que está, sabe-se lá onde e a pernas tão cansadas dos dias, das noites e souberam tão bem
Aquelas noites no hotel, quando ainda era nova e aquelas prendas me destacavam
A beleza, hoje destacam o ridículo em que me tornei, os olhos tornaram-se vergonha,
Tão castanhos, porque o povo às vezes também acerta, foi pena terem fechado
As casas de putas das redondezas, agora um gajo tem que ir até longe e
Às vezes um, tu também por aqui, só com os olhos, porque ninguém se conhece.
Às vezes basta uma pessoa sentar-se, dar um suspiro ou dois e olhar através da janela,
Outras vezes é melhor correr as cortinas, ignorar impossíveis, aceitar o Inverno,
Desviar a cara de qualquer reflexo e acreditar que todas as promessas foram cumpridas
No calor do momento, e hoje, quem resta é apenas a testemunha de que a vida,
Foi no fim de contas uma teimosia contra o nada e o esquecimento.
21.10.2011
Turku
João Bosco da Silva
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