sexta-feira, 30 de dezembro de 2011





Mulheres



Todas as mulheres, todas a última no primeiro momento, todos os olhares

Os mais penetrantes até que se perdem, difusos e indiferentes, diluídos no tempo,

No esquecimento e as promessas de eternidade lavadas dos lençóis,

Aspiradas dos estofos, levadas pelo vento das ruas, só o esforço da recordação

Aquece algum aroma possível, na esterilidade de umas palavras sem rostos,

Todos aqueles rostos, aqueles lábios impossíveis em outros lábios,

À volta de falos desconhecidos, maiores, menores, mais peludos, o cabelo

A ser puxado por outras mãos, os mesmos gemidos, cada um deles convencido

Da sua invencibilidade, do seu poder enquanto domador de leoas

Tão bem amestradas, todos os sonhos, diferentes, todas as conversas sob as mesmas

Estrelas, o relógio com os mesmos números, em contagem decrescente desde o primeiro

Olhar, todos os poemas escritos com a cinza das madrugadas, todos os copos vazios

A adiar a manhã e o orgasmo, a condenar casamentos futuros, a curar casamentos falhados,

A matar o tempo que nos mata, todas as luzes, as chamas, nos olhos

Que dão tudo ou tiram tudo, até a alma com o desprezo, o ódio que ninguém melhor

E o olhar mata por dentro ou desperta-nos o desconhecido que vive connosco,

Todos aqueles dedos e carícias, unhas e marcas que também o corpo esquece,

Todos os cigarros e as línguas com o sabor do fumo, as línguas com sabor

A carne viva, as línguas metálicas, as tímidas, as inocentes, as preguiçosas,

As línguas de adolescentes com sabor a frescura e novidade que chegam ao estômago

E apertam o coração e ele mais rápido, tão rápido, todas as roupas interiores,

A adiar um pouco mais a comunhão mais que sagrada, a pele no fim ejaculada

Ao luar, nas costas, nas barrigas, nos vestidos puxados para cima, na maquilhagem

Porque a vontade tinha sido tanta, nas bocas ainda quentes dos beijos,

Ainda quentes dos beijos dos seu namorados, dos seus noivos, dos seus outros além do outro,

Todos aqueles futuros que nunca chegaram, partilhados no tempo possível,

Hoje tudo passado, hoje tudo ridículo sem a carne rosada, o brilho da excitação ao luar

O calor dos corpos e os peitos suados um contra o outro, as mesas parecem impossíveis,

As casas de banho dos bares, os quartos de hotel, a amiga que dormia ao lado,

O amigo que dormia ao lado, os sofás desconhecidos, os rios, os montes, os santuários,

As estrelas, as casas abandonadas, os bancos traseiros, a praia ao fim da tarde,

Todas as mulheres, todos os momentos vazios sem elas, todas elas a primeira e a última,

Todas elas uma promessa verdadeira impossível de se cumprir definitivamente.





30.12.2011





Turku




João Bosco da Silva

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