segunda-feira, 12 de dezembro de 2011


A Vida Que Nos Obrigam



“Não sou anterior à escolha

ou nexo do ofício

Nada em mim começou por um acorde"

Sebastião Alba



Dão a vida de graça a um gajo e depois obrigam-no a pagá-la, como se fosse uma escolha,

Nossa a culpa, um sofá num escritório onde se acredita num sonho de pernas abertas,

Não tens que contar ao teu namorado, enquanto se engole num esquecimento que só

A excitação é capaz de oferecer, uns valentes whiskies, o fascínio por um brinquedo novo,

Os olhos a brilhar e a luzinhas de Natal a piscar, anos e anos antes de muito pó e bosta

A caminho da perdição, perdidos sempre, sempre onde se devia estar, a pagar a renda

Por algo que nunca se assinou, mas nem a carne é nossa, por isso vale a pena desperdiçar,

Que se lixe, não é meu, a filosofia dos cigarros rasgados na persistente resistência pulmonar,

Mais um não mata, no fundo já estamos todos mortos, na lucidez encontrada em balcões.

Não se pode esperar nada da promessa do desespero, um pedinte dói mais que uma facada

E às vezes é quase uma pontinha de inveja, aquela liberdade, tão fácil e romântico

Quando se vem de uma casa quente, com o estômago cheio, com as axilas desodorizadas

E a alma convencida da sua existência, tudo vincado, até os sonhos, aquela liberdade

E um suspiro de olhar a esconder-se dos papelões, da mão suja, vazia, doente, livre,

Presa à miséria, ao cansaço à resignação a um sofrimento pobre pobre pobre, só o sono

Desconfortável numa calçada e também eles, pagam uma renda, também eles que são livres

E cada vez mais me convenço que a única liberdade possível é a ausência total da escolha,

Para isso a ausência da vida, ser uma pedra, um cometa, uma estrela que se consome, também

Sem escolha, mas sem a ilusão da possibilidade impossível de poder escolher, que ilumina.



Turku



12.12.2010



João Bosco da Silva

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