Matança
Chove a gordura do fumeiro que seca, o teu coração também lá pendurado,
Todos aqueles abraços, carne para encher chouriças, ainda bem que fumo
Nos olhos mentidos, cuspidos, a tua boca aberta como se tu séria
E somos feitos desta madeira que crepita, saltam brasas nos olhos
Quando saio de ti e te deixo a pingar gordura, a secar, nunca gostei
Da parte gorda do presunto, por isso te deixo no canto do prato
Para quem gostar de branco, somos feitos de porcos e vinho tinto,
Fumo de urze, mãos de quem nos conhece além da tinta
Com que nos pintamos com livros, músicas, filmes e outras aldrabices,
Lavam-se as mãos ensanguentadas, a faca e guarda-se
Para mais um ano, mais um porco, lava-se e vai-se a força,
Os anos não perdoam, as putas também não e lá se vão as notas,
A vontade barra-se com o cansaço, mais um copo de vinho
Para não ver, dar um jeito ao lume com um pau, queima-se
Um pouco mais de tempo, se calhar um cálice de aguardente
Que a noite é fria e ainda mal começou, amanhã acordarão
Os filhos, convencidos do calor do seu sangue, ignorando que mais uns
Para a matança, fábricas de sonhos em tripas, porcos que se perfumam,
Engordados com ilusões de algo melhor que febras, restos de gente,
Mas a faca tem aliviado muitas gerações, em manhãs como estas.
16.01.2012
Turku
João Bosco da Silva
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