Nunca Estiveste À Beira Do Rio
Nunca subiste no elevador da miséria, onde pendem roupas a secar no ar
Vicioso, nunca se te abriram portas para os escombros da humanidade,
Nunca viste arco-íris de agulhas contagiosas enquanto crianças fingiam
Brincar além do muro, no recreio da escola, nunca te ensinaram a fazer
A sopa, não a da tua avô, com cheiro a velha rica e perfumes franceses,
Nunca desta a mão à miséria, nem cinquenta cêntimos, passas-lhe por cima
De olhos fechados, maior, tu um génio, tu uma senhora dona de verdades,
Nunca viste a verdade do olhar de agonia de quem pede um pouco
Para menos dor, nunca viste vacas a pastar nuvens, nem amantes
Do esperma de anjos, nunca viste nada e atreves-te a escrever sobre,
Sobre a vida que não é a tua, nem conheces, no conforto da tua cadeira
Design sueco, a ouvir as tuas músicas deprimentes sobre tristezas
Que só imaginas e nem imaginas, a necrose a alastrar, e menos um braço,
As pernas a tornarem-se os próximos portais para o infinito,
Tão curta a eternidade, tão curta a memória dos que te amaram
E hoje és um saco de lixo contagioso, com pernas, com uma sede
Que só tu compreendes, mas não era contigo que estava a falar,
Era contigo, que não conheces o sétimo andar da miséria, da mãe
Que não deixa ir o filho à escola, porque deve, o filho fruto de uma dívida
E depois não havia dinheiro para o aborto, frutos de privações, e escreves,
Tu, pedaço de merda esterilizado, estilizado, misantropo humanista,
Usas palavras inócuas que só dicionários de papel percebem,
Usas palavras sem carne, sem dor, só sonhos de olhos abertos, num mundo
De pesadelos obrigatórios, onde pontes altas se tornam a única purificação.
14.01.2012
Turku
João Bosco da Silva
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