sábado, 14 de janeiro de 2012


Nunca Estiveste À Beira Do Rio


Nunca subiste no elevador da miséria, onde pendem roupas a secar no ar

Vicioso, nunca se te abriram portas para os escombros da humanidade,

Nunca viste arco-íris de agulhas contagiosas enquanto crianças fingiam

Brincar além do muro, no recreio da escola, nunca te ensinaram a fazer

A sopa, não a da tua avô, com cheiro a velha rica e perfumes franceses,

Nunca desta a mão à miséria, nem cinquenta cêntimos, passas-lhe por cima

De olhos fechados, maior, tu um génio, tu uma senhora dona de verdades,

Nunca viste a verdade do olhar de agonia de quem pede um pouco

Para menos dor, nunca viste vacas a pastar nuvens, nem amantes

Do esperma de anjos, nunca viste nada e atreves-te a escrever sobre,

Sobre a vida que não é a tua, nem conheces, no conforto da tua cadeira

Design sueco, a ouvir as tuas músicas deprimentes sobre tristezas

Que só imaginas e nem imaginas, a necrose a alastrar, e menos um braço,

As pernas a tornarem-se os próximos portais para o infinito,

Tão curta a eternidade, tão curta a memória dos que te amaram

E hoje és um saco de lixo contagioso, com pernas, com uma sede

Que só tu compreendes, mas não era contigo que estava a falar,

Era contigo, que não conheces o sétimo andar da miséria, da mãe

Que não deixa ir o filho à escola, porque deve, o filho fruto de uma dívida

E depois não havia dinheiro para o aborto, frutos de privações, e escreves,

Tu, pedaço de merda esterilizado, estilizado, misantropo humanista,

Usas palavras inócuas que só dicionários de papel percebem,

Usas palavras sem carne, sem dor, só sonhos de olhos abertos, num mundo

De pesadelos obrigatórios, onde pontes altas se tornam a única purificação.



14.01.2012



Turku



João Bosco da Silva


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