quinta-feira, 26 de janeiro de 2012
O Purgatório, Quando Tudo Passou Menos A Vida
Vive sozinha na casa pequena que os seus pais deixaram, à noite a única companhia
É o remorso pelas muitas loucuras por fazer, por ter, se ao menos esquizofrenia para
Ter com quem falar nas noites de Inverno, acorda de manhã cedo antes do mundo e com café
Come esperança bolorenta barrada com a possibilidade do suicídio, de outra forma não
Seria capaz de arrastar o dia até à noite. Às vezes a morte escreve-lhe cartas perfumadas com
Melancolia afiada até aos ossos gastos, envia-lhe caixas enormes de medo
Que lhe pesam na curvatura das costas. Sonha com violações, calor de desconhecidos
Brutos que acreditam na sua existência, asseguram-lhe que ainda é de carne em becos
Escuros de paredes velhas, pois os espelhos estão a torná-la invisível. Tem saudades
Das fotografias a preto e branco, mas já se esqueceu das vozes que lhe diziam como
Era linda, como a desejavam, como a amavam, ela costumava pisar o excesso das últimas
E isso custou-lhe a firmeza da pele e os olhos de quem a viam além do que olhavam.
Antes de ir dormir, apagando o mundo desprevenido que a acompanha de manhã à noite
Com as suas misérias, problemas e dramas sempre os mesmos com nomes e títulos diferentes,
Ela reza e pede fantasmas e um sono que a lave da amargura que lhe está a encobrir a vida
Antes que se torne em algo que não valeu a pena, as ideias que não passem de ideias
Não a impedirão de entrar no cemitério, onde o conteúdo da sua carcaça mora apodrecido.
No amanhã de todos os dias, ela irá bater as portas com força, como se esbofeteasse
O silêncio que lhe arrefece as entranhas, ganha apenas o ódio dos vizinhos das casas vazias
Onde moram gatos vadios que lhe fogem, como se levassem a felicidade no pêlo sarnento.
26.01.2012
Turku
João Bosco da Silva
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