À Volta Da
Fogueira
O fumo sobe
acima dos amieiros e o rio parece arder com gargalhadas e histórias trazidas
De outros
corpos, noutros anos, bebe-se mais uma garrafa de desejo de menos anos
Mas a noite
não pára, os Gauloises já se fumaram enquanto o silêncio se instalava
Onde a
dilatação das pupilas não chega, o cheiro do cigarro deixou-se dissipar pelo
luar
E as
gargalhadas azuis, a noite sente-se eterna apesar de cada vez mais fria, mas
ainda é cedo,
Hajam mãos
para arrancar raízes secas da escuridão, hajam bocas para manter a fogueira
acesa
E a mala
térmica a tornar-se cada vez mais inútil, as garrafas a tornarem-se vazias uma
Atrás da
outra e o momento enorme, difícil chegar ao amanhã na escuridão, numa ebriedade
De mitologias
pessoais, hoje somos eternos, ainda consigo ouvir os meus eus de outros tempos
A saltitar
de rocha em rocha, a chapinar na água, ainda me vejo nas costas dos meus tios
no rio,
Os meus tios
da minha idade, os meus primos bebés, ainda vejo o peixe cru a ser engolido
vivo,
Ainda sinto
o sabor metálico do peixe a mover-se pela noite dentro, sente-se o sabor do
café
Feito na
fogueira, sabe à terra e mastigamos como se fossem pedaços da pedra filosofal,
Prometem-nos
uma noite fria, prometem-nos uma ressaca terrível, mas o fumo ainda sobe
Acima dos
amieiros, a madeira crepita nos nossos corações e rimos com conversas sem
sentido,
Como sempre
devemos fazer na vida sem sentido, rir dela, que o rio leva, frio, rir e
acreditar
Que somos
eternos, porque somos eternos, os dentes cada vez menos, os cabelos cada vez
menos,
Cada vez
menos a cor que foi, mas nós cada vez mais noites, esta e todas as outras que
se seguiram
Às tardes
que foram nossas e nem as raposas se atrevem a incomodar o luar, enquanto o
fumo sobe
Acima dos
amieiros e se escreve poesia nas brasas, enquanto se assa uma linguiça e se
abre
Mais uma garrafa
de vinho da vinha de quem acima dos amieiros, entre uma caixa de outra madeira
E a tenda
espera, pelo cansaço, pelo silêncio, pela língua quente da manhã contra a
ressaca
De uma noite
feliz, uma noite que não acabou, porque há noites que ficam a durar na
eternidade.
13.09.2012
Turku
João Bosco
da Silva
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