Portugal 2
Portugal, sei
que o meu descontentamento não interessa, mas quem foram os filhos da puta que
te tornaram
Estéril, o
horizonte diz-me que tu verde mas quando se chega lá, tu árido, seco, com leite
Só para
mamões, dizes que não há pão, que a fome é necessária, a fome de milhões,
E depois
alimentas uns quantos porcos a caviar e diamantes, porque mandam, mandam tudo
À merda com
um sorriso, urinam promessas nos olhos do povo que se arrasta na imundice
E agradece os restos com mais um mandato, porque uns mentem melhor que outros,
Porque os
olhos já não vêem depois de tanta porcaria, a televisão pinta idiotas de heróis,
Os jornais
cobrem as ruas de más notícias que o vento sacode da vista e tudo parece
distante.
Portugal, se
roubasse um pão, não me perdoarias, não perdoas a quem rouba pouco,
És míope, e
se vês algo à distância, é à distância do passado, o futuro é demasiado
qualificado
Para ti,
preferes exportar aquilo que vale a pena, no fim serás um país de formigas
famintas
A trabalhar
para meia dúzia de cigarras gordas, Portugal, não sei se me apetece esquecer-te
Ou esquecer
aquilo que sou, esquecer-me de que a culpa é, segundo os responsáveis, de
todos,
Portanto,
também minha e sinto-me culpado, teria sido por segurar na pata do animal, nas
Matanças do
porco, naquelas manhãs geladas de Inverno, para ir enganando a fome,
Ou será
culpa dos goles de aguardente roubados dos alambiques atrás dos muros de pedra,
Com o cheiro
a mosto no ar da vila, tenho quase a certeza que foi por ter tremido nas primeiras
Aulas da
manhã, com o casaco vestido, na sala sem aquecimento, sim, foi isso, tremer não
É coisa de
homem, não fiz o sacrifício de não sentir frio, se calhar foi algo que herdei,
o meu avô
Ter sido
internado pela primeira e última vez, poderá ter sido pelas missas de Domingo,
por ter
Seguido
outras tradições com a fidelidade de um crente, de uma coisa estou certo
Portugal, só
Pode ter
sido por ter cumprido com tudo o que esperavam de mim, menos por ter sido
Um rato, é o
que dizem quando se afundam navios, mas tu um porto, certo, a partir de ti
descobrir
Mundo, e
esquecer-te, mas não compreendes que a saudade nasce connosco e a saudade é
feita
De memória,
de recordações. Porque não gostas de nós? Porque não gostas de mim? Dizes que
Estás a
envelhecer e não me deixas dar-te um pouco de juventude, eu que queria ter
filhos
Que falassem
português, que comessem uvas directamente do Sol de Setembro, que arranhassem
Os joelhos
na calçada do bairro antigo e chegassem a casa com a roupa manchada com
amoras,
Ou uma dor de
barriga por demasiadas cerejas, queria que eles se apressassem ao ouvir a
trindade,
E que no
Inverno sentissem aquele calor no coração quando se cheiram os fumos das
lareiras no ar,
Mas que te
interessa isso, quando os teus porcos engordam cada vez mais e cobrem tudo de
um
Estrume caro
e inútil, fertilizando tudo com esterilidade, palavras e sonhos vazios, sonhos
Portugal, só
os tenho quando durmo e às vezes tu não ardes, às vezes tu mais que Agosto,
Eu e a
família que tu me negaste, com a mulher que tu me negaste, porque é difícil,
Ao fim da noite
a falar de outras coisas que não o desemprego do pai, o Natal que se aproxima,
Seco de
presentes, negaste-me acordar todos os dias ao lado de alguém que me diz Bom Dia
E sabe o meu
nome de verdade, ofereceste a tantos outros a desconfiança, por aqueles luxos
Pequenos da
mulher, quem será o porco gordo e cada vez mais se vendem, e os corações uvas
passas,
Porque a
vida está difícil, não sejas burra, não sejas burro, se tiver que ser,
ajoelha-te e chupa,
É o que tem
que ser, porque Portugal, andaste a convencer quem és, que é normal, cada vez
mais puta
Tu,
vendes-te até à língua, dás o cu a quem perdeu duas guerras com ele para o ar,
Já chegaste ao
último furo do cinto, mas a gravata continua apertada a esconder os
Botões que
te faltam na camisa, Portugal, mete-me nojo, não quem procura um alívio no
caixote
Do lixo, mas
quem passa em luxo, como se fosse um direito que só alguns têm, direito à fome,
E os porcos
continuam a mastigar diamantes, enquanto cagam nos direitos dos que arrastam
O teu
cadáver, e dizes que a responsabilidade é de todos, e é verdade que poderia ter
tirado melhores
Notas, podia
ter lido mais se a mesada desse para mais do que uma sande de pão e queijo por
dia,
Que não
comia para poder comprar aquele livro que não havia na biblioteca pública, e
agora dou razão
À minha mãe,
livros que não interessam, só me abriram mais os olhos e em ti, é mais fácil
Ser cego.
Portugal, como podes esperar que no futuro as coisas melhorem, se continuas
A expulsar o
futuro, a queimar o futuro, a vender o futuro por simpatia, estou cansado,
Estás cansado,
a culpa é minha, eu sei, nossa, é daqueles que morrem nas ruas, daqueles
Que morrem
sós, com fome, em aldeias desertas, é daqueles que morrem à espera de uma
consulta,
Ou à espera
de um pouco mais de atenção, que não se tem, porque há demasiada gente
A precisar,
a precisar de tudo, quando tudo, é só o direito de quem te fode, de quem abusa
de ti
E goza
contigo, mas desculpa-me Portugal, sei que neste momento, devia estar perdido,
Como tu, em
ti, em vez de estar perdido, aqui, consumido pela saudade daquilo que me és,
Dos teus
montes, do cabelo cor de cobre, dos sorrisos das crianças a brincar ao esconde-esconde,
Do Sol que
torna o Outono dourado em vez de castanho como noutros países, do cheiro
salgado
Da tua
areia, da cerveja fresca, das romãs no fim desse Outono dourado a darem-lhe um
toque final
De rubi, das
casas, umas em cima das outras, encaixando-se bem nos contornos das vizinhas,
Das
velhinhas cheias de rugas fazendo desejar-me durar ao lado da mãe dos meus
filhos,
Dos meus
filhos com um futuro também dourado, se forem merecedores disso, não como o
pai,
Que nunca será
pai, que está descontente, só por lhe terem permitido sonhar mas não o sono,
Por lhe
terem vendido um bilhete para lado nenhum e o criticarem por ter ido, para onde
O Sol é frio,
mas permite viver, a vida sabe a cinzento, mas vai-se vivendo, até ver, até ver
Portugal.
18.10.2012
Turku
João Bosco
da Silva
Sem comentários:
Enviar um comentário