Este Poderia Ser O Poema
Este poderia ser o poema,
mas não é, quase nem um poema, só o vestíbulo entre a desilusão
E mais um dente cariado,
no fundo, sempre nos tratam mal depois de tanto uso, no fim,
Acabam sempre por
deixar-nos ou ficam lá a ser polpa para o caso de uma morte menos assim
Assim e provas para dizer
que somos quem fomos, quando todos os poemas ficaram a encher
Lareiras apagadas em
noites aborrecidas em que se desiste de buscar o tempo perdido nas páginas
De um livro que se tentou
ler para se crescer de alguma forma, nalgum sentido, mas só nenúfares
E paisagens estranhas,
que tentam ocupar a importância dos soutos e dos lameiros, com pão
Caseiro, fatias grossas
de queijo e marmelada, juncos e bosta fumegante, grilos e palhas na boca,
Quantos versos não passam
de uma necessidade de lítio, ou de uma simples foda, daquelas que
Lavam com a sujidade e a
decadência, aquele acordar quando a porta do elevador se fecha
E ainda se tem nos lábios
o sabor da urina, mas não o nome, e torna-se tudo tão claro como se
As palavras nos dessem
tréguas durante uns momentos, daí a valorização dos gemidos
E a importância do
balbuciar ébrio na evolução do homem, a filosofia é apenas chicotadas
Em cavalos cansados de
fome, a consciência fora dos sentidos, a lucidez salgada numa língua
Branca em jejum, à espera
do Sol além das montanhas nevadas onde se escondem os cadáveres
Dos deuses e dos burros
que por lá se perderam, que também profetas assassinos do silêncio
Gratuito e revelador, do
isolamento da altitude, poderia ser, mas não é, nem finge, nem tenta,
Não é, mas contudo,
consegue ser, uma página que ficará mais vezes fechada que aberta,
Como tantas vidas, que
poucos conheceram e ninguém a conheceu de verdade, não como
Quem apenas a imaginou,
sem reflexos ou ecos, apenas mãos abertas e vazias o suficiente
Para se viver, ir
vivendo, durar, ir morrendo até se acabarem as palavras que preencham os
versos,
Inúteis, os dentes que
mastigam ar, palavras e o sabor perde-se, no vestíbulo entre uma e outra,
Até se cansar a picha, se
esquecerem os grilos e o cheiro verde dos lameiros, se desistir de procurar
E engolir páginas de
recordações perdidas no hipocampo apodrecido entre apodrecimento vegetal,
Procurar o reflexo nos
retratos alheios e nem assim se encontra o merecimento merecido,
Este poderia ser o poema,
mas não é, é mais um prego, ou mais um pedaço de lenha que ficará
Por arder, é o grito de
quem se consome, o crepitar sincero de quem recusa o lítio e a estabilidade
E passa a vida mergulhado
em lagos asfixiados pelos nenúfares, invejando os juncos
E os olhos verdes que
viveram as memórias mais felizes, mesmo que apenas pão caseiro
Com fatias grossas de
queijo e marmelada e a bosta ainda quente, e os lábios apenas salgados
Pelo suor do Sol, que se
acreditava nascer na serra além da janela grande do quarto debaixo
Das mantas na casa da avô
onde a prima também nua e a vida tão estranha que parecia natural
Quando os anos poucos, os
versos mais curtos e mais cheios de verdades simples e objectivas,
Hoje perdidas, nas portas
dos elevadores que se fecham e nos livros que se desistiram de ler
A páginas tais da dor de
um dente, e que desculpe quem tiver tornado isto poema, não era para ser.
05.01.2013
João Bosco
da Silva
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