Desconsolos Sobre Melancolia
para o que se perdeu,
Senta-te e espera, dá um avanço ao cigarro, deixa o fumo
vaguear, não te apresses,
Já não vais a tempo, as ideias que valiam a pena, ficaram
esmagadas por mais um gesto mecânico,
Tu, no fim de contas, não és nada, não há olhos para te
verem, não há dedos que mereçam
Sujar-se com a verdade que tentas arrancar dos becos
viscosos da alma que construíste com
A lama das noites frias, aos poucos, esquecem-te e
arrefeces, como uma profundidade
Que nunca antes tinhas sentido, e ainda dizem que isto é um
país quente, de língua,
Quente como são quentes as pedras pequenas ao Sol, que
servem só para incomodar
Os pés vivos que querem caminhar em direção a algum lado, de
dentro, de fora para dentro,
Não te canses, morreste mais do que o que poderás morrer se
te queimarem as inutilidades
Dos dias passados para aguentar mais um dia, a madrugada mal
te reconhece, mal lavaste
Os olhos e já te apetece adormecer e esquecer o que te
tirará o sono da noite que te cresce dentro,
Faz falta que te percas, uma vez mais, seja em quem for,
onde for, mas perde-te, ou estarás perdido,
Não há asas para bater, só punhetas em honra a sortes
melhores e esquecimentos sinceros,
Nem te sentes, não vale a pena, entrega os manuscritos às
mãos da tua irmã e pede-lhe
Que sejam engolidos na lareira da tua infância, também nunca
deverias ter ganho pêlo
Nos tomates, agora confundem o tamanho de uns com sonhos,
não te mexas, exigem de ti
A concentração de uma pedra e tu engoles, o vazio de uma
boca seca, com medo de perderes
A miséria a que por favor te submetem, perde-te, só assim
darão por ti, só assim dirão que tu
E mais nada, que falem, que rebentem de nojo e inveja, a
liberdade incomoda como a merda,
Daí ser tudo tão limpo neste país de cus de ouro, despe-te
também, enquanto transferes o vazio
Para umas garrafas familiares, olha que o cigarro não dura
sempre, nem tu terás essa falta de
Motivação que te leva a soprar o castelo de cartas de cada
vez que te aborrece o tamanho
E a ordem da desordem, dá-lhes a morada para que te enviem a
vontade que sem tocares nascentes,
Não esperes pedrinhas contra a janela quando a noite se
esqueceu de te incluir nos seus planos,
Ninguém espera nada de ti, a não ser cumprires o papel de
fazer os outros sentirem-se maiores
Nas suas vidas de suicídio mal solidificado, levas um
cinzeiro de vidas bem fumadas
E até isso incomoda os cães que nunca perderam o instinto
territorial de mijar e esgaravatar
A aridez onde cagam e comem, roem ossos de impérios e nomes
de família, os teus montes
Ardem e a infância reduz-se a dez dedos incapazes de
acompanhar a saudade e tudo fica.
17.09.2013
Coimbra
João Bosco da Silva
Poema lido por Sara F. Costa: https://soundcloud.com/sara-f-costa/poema-de-joao-bosco-da-silva
Poema lido por Sara F. Costa: https://soundcloud.com/sara-f-costa/poema-de-joao-bosco-da-silva
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