Reminiscências Crepusculares
Há meses que não via um horizonte tão limpo, hoje morreu
muita gente e pelo menos
Um poeta, porém, os tractores regressam poeirentos, as
moscas adivinhando o frio,
Pedem a atenção de uma mão e há já uvas comidas pelos pássaros,
um gato vê-se tentado a
Provocar um escorpião, mas logo se arrepende, o horizonte
tão limpo, a canícula desfeita,
O gato vencido, todos vencidos por outros horizontes
cortados pouco depois de jantar,
Um poeta que não escreverá mais, contudo, carros com
bandeiras com as cores de sempre
Mentem às ruas, promessas de um dia, para um dia, a
democracia nesta terra é tão estranha
Quanto a moral católica e o respeito às tradições
convenientes, mesmo assim, os pimentos
Amadurecem, vermelhos como os lábios e a máquina de escrever
de uma Aliide Truu jovem,
Finlandesa, como a do filme Puhdistus, prefiro o livro,
porque lhe dei a cara que quis e os
Lábios sempre vermelhos, menos quando nos meus dedos, a voz
rouca dos cigarros e de quem
Gosta de engolir esperma em ruas desertas e nos quartos das
amigas quando elas não estão,
O horizonte tão claro como o passado, tão vivo como o
vermelho a pedir mais dentro,
Enquanto vozes como moscas a incomodar com a proximidade do
frio, agora resta esperar
Que os figos sequem, que alguém ganhe para alguém ser
derrotado e acabar com o ruído de
Fundo que apodrece as uvas, assusta os gatos e decompõe
poetas, de quem afinal, toda a
Gente gostava e admirava, não me pronuncio, prefiro evocar a
morte dos momentos vermelhos,
Atrás dos olhos que o horizonte ignora, lavo-me nas águas
limpas de um poema sueco ou no
Tanque de lavar a roupa debaixo do marmeleiro, ambos vivos,
o sueco e o marmeleiro, mais vivos
Que os altifalantes diluídos pelo crepúsculo e reduzidos ao
incomodar das moscas, chupadoras
De sangue, que adivinham que o frio está para chegar que o
Inverno não tarda e será longo.
Torre de Dona Chama
23.09.2013
João Bosco da Silva
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