Nem Sempre Te Encontras No Horizonte
Os olhos de Mordor, no horizonte de outros tempos,
lembram-me que a era
Do Tulicreme em pão caseiro acabou, entretanto empunho nos
queixos
Um Ventil em direcção ao lameiro das ressacas virgens das
macieiras desaparecidas,
Também o meu avô onde as macieiras, e aquele, a quem roubei
o momento para
Poder dizer que eu isto, eu um dia, e por isso aqui, a
martelar um poema
Que tinha ficado na inspiração de uma noite de cerveja com
os tios de França,
Até o Kerouac se deixou levar para onde todas as macieiras
vão ao secarem,
Ou não, às vezes só porque as vacas precisam de espaço para
pastar e a sombra
Oculta certas vaidades, o caçador já tem o caminho
alcatroado até lá, onde
O enterraram, nem sei onde apodrece o Jack, nem o Bull, nem
o que se tornou
Hippie e perdeu a voz comprimida de quem escrevia para o
vazio, sem plateia
A quem agradar e vender, não o censuro, eu que me prostituí
tantas vezes,
Para compensar a falta de imaginação, ao menos escrevo sobre
o que cheirei, quem
Fodi, quem me fodeu, onde caguei, até o glaciar na Noruega
onde mijei,
Tive que sangrar para poder ter tinta e no processo, perdi
tanto sangue,
Que deixei de saber quem sou, convenci-me que podia fazer
parte, agora que
Me perdi, mas fazer parte de quê, se já nem os montes me
pertencem, por ter
Deixado de lhes pertencer, infernos desolados pela ganância
de pastores sem doutrina,
Pela ganância da ignorância, a que tornou o “meu” país na
puta que é,
Acabaram as romarias e mal me lembro de como era a minha
terra antes de partir
Para Mordor, quando regressei, tudo tomou a forma das tripas
de um vulcão,
Até os lameiros desertos, os lábios desertos de sorrisos, a
inocência dos
Primos pequenos engolida pelo que engoliu a minha, não sei
se o tempo, ou o
Que o tempo trouxe em troca do que tirou, os cães, os gatos,
amigos, brinquedos,
Sonhos e ilusões, é para aprenderes, diziam, a vida não é
fácil, este ano o
Pai Natal não tem muito dinheiro, até ele é fodido, pensava
o garoto com a chinela rota
Perto da chaminé, o Menino Jesus, entretanto cresceu e
brincar na neve perdeu
A magia depois de se ter fodido e gelado o cu numa bebedeira
nórdica,
Naquelas que acusam de responsáveis pela morte da minha
submissão de acólito,
E mães da minha doce depravação de abrir pernas e corações
oprimidos pelo
Tédio de viver, porque a vida só se sente quando se suja e
se gasta estupidamente
E é levada pelos mais básicos instintos, como martelar uns
versos
A um ritmo alucinado de excitação limite à beira violação,
os dedos sujos da
Tinta e do óleo, do suma da cona mecânica que ejacula versos
nos olhos que
Quiserem arriscar a sinceridade em palavras de um bruto, sem
respeito pelos grupos
Fechados e pelas orgias dos escritores sérios como as pegas
do seu país, terra
Pobre e mal agradecida, paridora de títulos sem prestígio,
só de abertura
Fácil e cu abundante como as moedas pretas no fundo do
porta-moedas, abre-te
Tu que não tens mais nada para dar a não ser a confirmação
do meu poder pela
Tua submissão de cão com fome, vale o que vale, e na verdade
não vale nada
Porque tudo é merda adiada, um lameiro perdido, uma macieira
cuja sombra só existe
Na memória brumosa de uma tarde de ressaca, onde os dias
idos, ainda nos
Músculos, agora na polpa do que foi uma medula, um cocktail
de todo o esperma
Desperdiçado, ou não, em vazios, só porque se quis acreditar
que ninguém morava
Lá dentro, para ser mais fácil passar e não voltar a entrar
para tomar chá
Ou um copo de vinho espanhol, que se julgava, pensei que era
da tua terra, se ao
Menos uma garrafa de vinho da vinha que matou o meu avô,
para que vissem que
Eu uma história, um lugar onde pertenço, ou devia pertencer,
apesar de incomodar
Vindimar à chuva, como o cheiro a cona debaixo da almofada
da manhã, ao se acordar
Só e miserável, se ao menos vomitar antes da primeira
cerveja como o Bukowski,
Mas não, toda a merda dentro a fermentar, à espera de uma
diarreia de dedos
E uma descarga livre em forma de verso demasiado solto e sem
respeito pelos
Filhos da métrica, poetas encartados, autorizados e
respeitados pela sua
Esterilidade poética, quanto a mim, que escrevo disto, seja
o que isto for
Ou não for, há mais tempo do que a maioria fodem, a poesia
deve ter cheiro,
A ribeiros poluídos antes da duna que antecede a praia na
infância, lixeiras
Pestilentas onde se procura o brinquedo que por engano se
atirou fora, cadáveres
E valas comuns abertas nos livros da Segunda Guerra Mundial,
o hálito do bigode à Charlot,
Porque a poesia quer queiram, quer não, é algo morto, feito
de passagem, de
Derrotas, de injustiças, de saudades e insónias, de cães
mortos, gatos mortos, amigos
Perdidos, brinquedos partidos, flores que apodrecem numa
campa de cemitério
De aldeia, sem nome, é um cigarro que se consome, uma
garrafa que se perde
No vazio da perdição, dois corpos que se tocaram e foi tão
pouco para nunca
Mais para sempre, um horizonte poluído pelo presente, o
horizonte que é o
Que os teus olhos procuram, quando deixam de conhecer a
própria casa,
Quando até a janela se estranha, tão baça, serão os olhos,
os olhos não,
É o que vê o que eles vêem, saco de restos inúteis do que se
viveu, eu, eu.
01-10-2013
Coimbra
João Bosco da Silva
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