“You can´t escape the
past in Paris, and yet what´s so wonderful about it is that the past and presente
intermingle so intangibly that it doesn´t seem to burden.”
Allen Ginsberg
Tens razão quando dizes que Montmartre é como a aldeia do
meu pai, mas a aldeia do meu pai
Sempre comeu e bebeu
o que o suor e a terra lhe deu, lá se plantava e lá se colhia, em
Montmartre
Há uma vinha cujo vinho quase ninguém prova, mas tanta gente
conhece e viu, não me parece
Que comam as heras que crescem na paredes das casinhas, nem
vi galinhas a correr pelas ruas
Ou debaixo das mesas dos cafés, vi sim uma ou outra pomba,
aves citadinas essas, que raras vezes
Vi na aldeia do meu pai a pedinchar um pedaço de pão, na
aldeia do meu pai não há pedintes
De nenhum tipo, só portas abertas e a partilha do pouco que
se tem, mas Montmartre respira
Ainda, mesmo que o sangue seja vinho daqui ou dali, as casas
brilham e no seu tamanho são
Maiores do que o desprezo dos descendentes que herdaram
telhas que apodrecem e cedem
Tudo, colapsando todas as noites à lareira, todos os gemidos
nos partos em colchões de palha,
Todos os gatos que entravam por buracos pequenos em baixo
das portas, como o frio
Entrava nos ossos da gente, Montmartre tem ainda luz, tem
olhos, tem gente, gente que
Procura nas ruas a presença de quem já lá não está, mas tens
razão, as ruas são tão largas
Num lugar como noutro, apesar da macadamização ser bem
recente num lado e estar
Já bem polida noutro, falta gente e uma cidade inteira aos
pés para se poder comparar,
Mas mesmo assim, não sei onde me sinto mais em casa, se onde
as memórias são minhas,
Se onde as memórias são as que queria que fossem minhas,
noutros tempos, as mesmas pedras.
Coimbra
10-02-2014
João Bosco da Silva
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