Naquele Tempo
Naquele tempo os quartos eram ainda mais escuros e os dias
mais vazios,
Mas havia uma força de vontade que rompia a sujidade das
ruas e dos olhos
Que as corrompem, até ao autocarro da meia-noite, havia
tempo para mais
Uma violência consentida, polvilhar o ar pesado da solidão
com o cheiro a sexo e álcool,
Um pouco de fumo dos cigarros fumados na letargia entre a
ejaculação
E um novo tesão, assim eram alguns dia naquele tempo, o ar
tinha outra massa,
Apesar do mesmo, os pulmões como a alma, habituaram-se,
criaram tolerância,
Pode não haver ar pesado o suficiente, um dia, nem o
excessivamente doce
Metálico ar africano, carregado de promessas de extinção e
tempestades evolutivas,
Não será suficiente para se inspirar até às falanges da
alma, já não se trata da inocência,
Já naquele tempo se fossilizava, a religião já se tinha
trocado pelo desengano,
Era aquela capacidade de Caeiro, cada vez a primeira vez,
tudo novamente outra vez,
Com gosto e entusiasmo, mesmo que o Sol químico, um truque
de recaptação inibida
Para afogar o cérebro em felicidade, os orgasmos arrancados
à força de lábios abusados
Mas satisfeitos, não estava habituada, a marca do anel ainda
no dedo, branca, como as
Calças à espera e as cuecas no chão, molhadas com a latência
de uma paixão,
Naquele tempo ainda se aconselhava a evitar as paixões e era
o mais inútil a fazer,
Como tudo o que é sincero, as calotes glaciares estão a
descongelar ao dobro da velocidade
E o mundo pára para ver um famoso nu, enrolado à namorada,
naquele tempo ainda se tinha
Fé na humanidade, o futuro parecia-se com o que se espera do
futuro, amava-se com
Um certo desprezo, agora todos os dias sabem a cinzento e
pouco interessa, seja o que for,
Talvez um eco no quarto fechado ao se passar ao lado, um eco
dentro enquanto se caminha
Em direcção à distância, onde alguém menos quem naquele tempo
tinha ainda um par
De sonhos no bolso, agora é demasiado tarde para o que quer
que seja, a folha de papel está
Irremediavelmente arruinada, mas como é a única, vai-se
escrevinhando, sem cuidado, como
Se toda a vida um papel de rascunho. O futuro não é lado
nenhum, é só estar longe daqui.
João Bosco da Silva
Porto
20.05.2014
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