Roupa
A Secar
A
farda seca no estendal de parapeito, ela poderá estar em casa,
Ou
numa magra folga, se calhar foi à aldeia ver a mãe que não fala com a avó,
Ou
está em casa só, deitada na cama, imaginando encontros com quem lhe
Tocou
de leve o passado, com um olhar, uma palavra ou outra e pouco mais,
Nada
de promessas, ainda sente o gosto daquelas tardes de início de Verão,
Trancada
até à noite com aquele corpo que parecia nunca se saciar do dela,
Se
calhar é uma daquelas tardes ainda, e ela recebe sedenta o prazer
Que
lhe impingem na carne, diz que nunca teve um orgasmo, mas mesmo assim
Gosta
de foder como se não houvesse amanhã, na rua veste-se de timidez,
Mas o
olhar trai-a sempre, os homens despem-na tantas vezes, se calhar por isso
A
farda no estendal, a secar da saliva, como o esperma na sua pele depois
De
lavar a alma com a certeza da carne, ela sabe que não passa daquilo,
Por
isso abre-lhe os lábios e derrete-se toda, arrisca-se a um futuro comprometido
Apesar
de se fingir sem ilusões, lá no fundo deseja uma concepcão que prenda,
Que a
livre das calcas da farda, mas para isso tem que encontrar algo mais
Estável
que o desejo e o prazer limpo de outros interesses futuros,
Pode
estar à beira rio, no aniversário de alguém, a frisar o cabelo com o suor
Enquanto
apanham morangos do outro lado, ela toda famas e olhos,
No
frigorífico o mínimo para ir enganado a fome, ou entreter entre coitos,
O
mais certo é estar a trabalhar, com a vontade de outro lado, pensando
Em
férias num lugar que imagina da boca dos outros, ou das fotos que lhe
Obrigaram
a engolir, como submissão, deve estar a trabalhar, para acabar
Mais
um dia numa casa alugada, com uma renda que lhe leva metade do salário,
Encerrada
num quarto quase privado, não fossem as discussões constantes
Dos
vizinhos, acentuando mais a sua solidão, mais um dia para menos um dia,
Após
dia, todos os sonhos adiados, quem se perdeu longe, quem se dá
Sempre
ao lado da vontade, vai-se andando, vai-se quase sendo, lavando a farda,
Sujando
a farda, acumulando dias inúteis para nós mesmos, sepultando-nos
Até
nada mais restar, do que roupa esquecida no parapeito de uma janela,
Para
a curiosidade mórbida de quem ignora a cor dos nossos olhos.
28-05-2014
Turku
João
Bosco da Silva
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