No Café Banquete
Podia estar a escrever isto no Café Banquete no Conde de
Redondo,
Mas é Domingo e o café está fechado, então escrevo neste
quarto de fundo
De corredor, ao lado do quarto de arrumações das mulheres
das limpezas,
Onde o papel higiénico ainda embalado limpará cus de todos
os credos,
Embalado pelo ritmo dos carros que descem a rua, mais
abaixo, um travesti
Espera o pai de outros filhos, com uma cabeleira demasiado
loira e falsa,
O essencial para noites da capital, aqui, não é suficiente
ter luz, quer-se barulho,
É preciso entrar até ao centro de tractor, continuar em
sentido inverso
Ao tsunami e lançar o tractor com o motor quente no Rio
Tejo, mesmo onde
As rainhas levantavam ligeiramente os vestidos antes de
pisarem a terra
Da sagrada pátria quando regressavam de províncias tropicais
do reino,
Deixar o vapor envolver a cidade com uma neblina a condizer
com o espírito geral
E sair do rio como um salvador que toda a gente finge
esperar,
Depois de ter ido muito além da resignação absoluta, o
escritor a estas horas
Deve dormir, é rijo, mas a vida foi dura, tratou-o mal,
contudo muito melhor
Que à maioria, há quem se deite e nem uma maçã no estômago, nem
uma sopinha,
Outros levam o sumo azedo das virilhas frustradas, e sonham
com uma consciência
Tranquila, na mesa de cabeceira o dinheiro para matar mais
um dia,
Eu, cansado, desligo o tractor, isto não tem cavalos que
mereçam o esforço.
Conde de Redondo (Lisboa)
19/04/2015
João Bosco da Silva
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