domingo, 26 de abril de 2015

No Café Banquete

Podia estar a escrever isto no Café Banquete no Conde de Redondo,
Mas é Domingo e o café está fechado, então escrevo neste quarto de fundo
De corredor, ao lado do quarto de arrumações das mulheres das limpezas,
Onde o papel higiénico ainda embalado limpará cus de todos os credos,
Embalado pelo ritmo dos carros que descem a rua, mais abaixo, um travesti
Espera o pai de outros filhos, com uma cabeleira demasiado loira e falsa,
O essencial para noites da capital, aqui, não é suficiente ter luz, quer-se barulho,
É preciso entrar até ao centro de tractor, continuar em sentido inverso
Ao tsunami e lançar o tractor com o motor quente no Rio Tejo, mesmo onde
As rainhas levantavam ligeiramente os vestidos antes de pisarem a terra
Da sagrada pátria quando regressavam de províncias tropicais do reino,
Deixar o vapor envolver a cidade com uma neblina a condizer com o espírito geral
E sair do rio como um salvador que toda a gente finge esperar,
Depois de ter ido muito além da resignação absoluta, o escritor a estas horas
Deve dormir, é rijo, mas a vida foi dura, tratou-o mal, contudo muito melhor
Que à maioria, há quem se deite e nem uma maçã no estômago, nem uma sopinha,
Outros levam o sumo azedo das virilhas frustradas, e sonham com uma consciência
Tranquila, na mesa de cabeceira o dinheiro para matar mais um dia,
Eu, cansado, desligo o tractor, isto não tem cavalos que mereçam o esforço.

Conde de Redondo (Lisboa)

19/04/2015


João Bosco da Silva

Sem comentários:

Enviar um comentário