sábado, 14 de novembro de 2015

Cresce E Desaparece

Quando era miúdo, não deviam mostrar tudo na televisão, ou então só via
Os bonecos de manhã e depois de fazer os deveres, se calhar os adultos
Viam todos os horrores do mundo, daí se chatearem com partilhas e
Tão sérios e cheios de segredos e sorrisos, que eles chamavam amarelos,
Mas a cor era algo nos olhos, um brilho de medo, não sei, se calhar o terror
Apenas uma semente, regada ao longo de décadas, estrumada, bem estrumada
Com o sangue distante de vidas longínquas e remotas, lembro-me de areia
E americanos e petróleo a arder, a mesma coisa que matava os peixes
E os passarinhos da praia, diziam que se fazia gasolina daquela merda viscosa,
Que me enjoava quando atestávamos a 4l em Espanha para ir a Trás-os-montes,
Não se sabia tanto de tudo, as coisas demoravam mais tempo a chegar
E quando chegavam, tinham a distância do tempo a tornar tudo ainda mais
Longínquo, hoje temo que cada gole de cerveja seja o último para me tornar
Num número de uma guerra civil qualquer, cujos interesses se escondem atrás
Da ignorância e da cegueira, se apoiam na revolta que alimentam, se calhar é o castigo
Por a memória colectiva ser demasiado curta, por se ler história como ficção, não sei,
Cada vez estou mais certo disso e menos de tudo resto, quando era miúdo, se calhar
Passei por uma fase de esquecimento, um período entre um terror e outro, sim,
A guerra fria e o medo às bombas, agora o medo é aos olhos que entram no bar,
Com um grito, evocando uma razão estúpida e o apagar incompreensível de todos os sonhos.

Turku

14.11.2015


João Bosco da Silva

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