Despejavam-se os sacos de roupa no chão e o que mais me
incomodava
Era o cheiro a estranho, aquele cheiro típico que é uma
mistura da dieta,
Do detergente da roupa, do sabão, dos perfumes, da
actividade física
E outros hábitos nocivos, aquele cheiro como uma assinatura,
Como os cheiros a casas alheias, ou até da própria depois de
uma ausência prolongada,
Eram calças, camisas, camisolas, t-shirts, quase tudo
números acima,
Teria que se esperar por mais uns centímetros de carne e
osso,
Isso mais uns meses e dás um pulinho, no calçado colocava-se
algodão nas biqueiras
Para não incomodar o ar com as unhas, não me lembro de cuecas,
Já chegava andar com o cu das calças de bombazina roçado por
outro cu,
Já bastava aquele cheiro que parecia indomável ao sabão e à
água fria do tanque de pedra,
São coisas boas, caras, de marca, e até eram, as peças
rejeitadas dos senhores doutores,
Dos emigrantes, dos das cidades grandes, o pedaço de pão que
não se acaba por luxo
E se atira aos pombos, mas era uma esmola sempre paga,
batatas, azeite, vinho,
Um agradozinho para fazer o papel de pobre, a mim restava-me
a vergonha
De se me descalçar um sapato ao andar ou que o antigo cu
reconhecesse as calças
E tropeço agora numa crónica do António Lobo Antunes na qual
me dou conta
Que fui, sem o ser, um pobrezinho de estimação.
Turku
24.01.2017
João Bosco da Silva
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